Em 1890, pela primeira vez na ficção científica brasileira, um romancista ousou fazer dos grupos sociais inferiores o tema central de uma obra, retratando o mundo dos operários, lavadeiras, prostitutas e todo tipo de gente de vida ordinária para compor um painel das massas populares, até então jamais tentado. E isso sem qualquer idealização populista. Pelo contrário, ao registrar a emergente classe dos trabalhadores livres e suas precárias condições de existência, Aluísio Azevedo simultaneamente impugna a sociedade que permite o surgimento de tanta miséria e mostra o caráter disforme e quase monstruoso dos habitantes do cortiço. Estes homens e mulheres arrastados pelo determinismo do meio e dos instintos - de acordo com a concepção naturalista da época - parecem viver apenas em função das necessidades mais elementares como o sexo e a busca de alimento. Por isso, às vezes transmitem a impressão de que são animais, impressão reforçada pelo léxico do narrador, que os designa impiedosamente como bestas, vermes, larvas, etc. Há também no romance uma surpreendente visão da desordem e da sensualidade, imperantes na habitação coletiva, como produtos dos trópicos. O sol, a lua e o calor, com sua força dissolvente, fomentam transgressões morais e sexuais de toda ordem e esta turbulência dos instintos torna-se símbolo de uma forma brasileira de ser e existir.
Contudo, apesar da degradação que marca todas as personagens, a obra está impregnada de extraordinária força vital, de erotismo quase selvagem e de primitiva alegria de existir e sobreviver. Estes elementos se impõem sobre a visão enauseada do romancista e transformam O Cortiço no texto clássico do nosso Naturalismo.
Literatura Brasileira / Ficção / Romance