Gárgula 03/02/2021
Primeiras impressões
Ao receber Silvestre, de Wagner Willian, enquanto abria a obra toda uma gama de sensações assaltou meu espírito. Curioso dizer isso mas existe ali uma aura misteriosa que a envolve. Não tinha buscado saber muito sobre o quadrinho e sem querer, ao me manter distante, fui arrebatado pela surpresa ou melhor, surpresas, que esse quadrinho nos traz.
Uma viagem visual
A luva, toda vermelha, mas num tom de carne, com apenas um símbolo de uma caveira com chifres de cervo no meio. Isso me impactou assim que vi. Ela é simples e intimidante. Ao retirá-la, vejo todo o exterior da obra. A capa encerra em si outro mistério. Uma vez mais a simplicidade sendo usada habilmente como ferramental editorial. Apenas uma imagem. Uma paisagem enorme, uma mulher nua segurando a cabeça de um cervo. Uma cena poderosa e apenas ela. Sem título algum. Somente uma imagem impactante.
Na lombada alguma pouca informação e percebo que não restou opção. Terei de adentrar aquele mundo. Lembra que falei sobre a estranha aura que a obra traz? Silvestre não é um simples quadrinho e sim um portal. Sou levado para um mundo selvagem, natural e obviamente silvestre.
Abro o livro. Viro as páginas devagar, fascinado pelos poucos desenhos e traços de Wagner. Tudo ali alimenta a mente fermentando a curiosidade. Um enorme mundo se abre e que nunca explorei. Não tem mais volta e na verdade nem quero sair dali pois existe tanto a descobrir que sigo em frente.
Primeiros encontros
Logo nas primeiras páginas encontro Felipe Castilho no prefácio, ali encostado. Ele está ali parado, me esperando e conversa através de seu texto, mostrando onde estou adentrando. Ele já esteve nesse estranho e selvagem mundo e sabe do que fala. Sou recebido como um velho amigo e ele apenas sorri enquanto seguimos.
Desse especial encontro adentro finalmente em um lugar onde tudo é novo, rico em imagens e sensações. Estou lendo mas sou assaltado por inúmeras visões. Um vento que bate e sinto o calor de alguns raios de sol.
Olho para trás e Castilho apenas acena como quem deseja boa viagem. É um caminho sem volta e devemos seguir nosso a estrada.
Uma arte envolvente e provocativa
O autor me guia por seus cenários. Suas linhas soam mais do que apenas uma narração. Elas existem em todos os tipos de sensações. Elas são muito mais que apenas textos. Suas imagens brincam em técnicas variadas.
Sou assaltado pela experimentação transcendental de todos os meus sentidos. Vou além de uma simples leitura e me recordo de imaginar que estava adentrando um dos Reinos do Sonhar. Imerso em cores e traços, estilos e rabiscos, tudo ganha forma, dentro desse mundo mítico.
Solidão e saudade
Enquanto avanço sinto o sopro forte do vento (ou seria o tempo?). Tudo ali grita solidão através de sons naturais. Sigo o passo do velho caçador, que busca apenas viver, ciente de seu lugar naquele jogo de palavras e no mundo.
Cada pequeno parágrafo, cada linha, são pensamentos de uma mente solitária. Não se foge do pensamento que sempre irá atormentar. Quanto mais ele vive, maior fica sua confusão mental e mais fácil ele se perde no labirinto que sua mente. O velho percebeu que nunca deixou migalhas pelo chão para voltar e se perder é fácil demais.
Da solidão o protagonista chega na saudade. Na torta que prepara ele lembra de um tempo bom. Memórias olfativas surgem e invadem não só sua mente, mas a tudo. O cheiro de algo bom que vai longe não só em pensamentos mas pelo próprio mundo. Invade o sonhar.
O próprio lugar, percebe que ali alguém sonhou. Que se recordou de algo bom. Como um convite, criaturas de todo canto aparecem do nada na casa do velho.
Referências e mais referências
A obra de Willian te convida, como fez com aqueles que se achegam devido a um cheiro de uma torta que parece estar deliciosa. Reconheço alguns deles, outros não sei quem são mas ninguém fica de fora.
Aos poucos todos se apertam e se ajeitam, esperando o término da tão sonhada torta. Tudo ali é um sonho. Todos estamos no mesmo sonho que Wagner Willian. Não deixo de pensar em obras de Neil Gaiman que por vezes juntam pequenos relatos em algo maior. Aqui temos exatamente isso. Uma sequência de micro contos que criam uma enorme história.
Apesar de suas naturezas completamente diferentes todos os convidados chegaram ali de alguma forma. O anfitrião entretanto não os apresenta e tampouco eles mesmos o fazem. Chegam como conhecidos, velhos amigos, e assim permanecem. Fico para o leitor a brincadeira de descobrir quem são.
Essa é a maravilha dessa obra. Uma enorme viagem imersiva na qual você é lançado em um sonho. Ali tudo está ligado de alguma forma contando a história do velho.
Conclusões finais
Obras assim caminham na tênue linha das paixões. Alguns adentram enquanto outros não. Não fique preocupado. Silvestre é uma obra para ser lida e relida pois a cada nova vez algo novo aparecerá.
Publicado pela Darkside Books, é um quadrinho que na minha opinião galga um espaço que poucos no Brasil conseguem ocupar. Ele é denso, complexo e belíssimo. Não deixe de entrar nessa jornada.
Boa leitura.
Resenha publicada no blog Caverna do Caruso, na coluna Sexta-Feira 13, de Daniel Gárgula.
site: http://cavernadocaruso.com.br/sexta-feira-13-24-silvestre-de-wagner-willian/