spoiler visualizarThalissa.Betineli 23/07/2022
"No dia que você se lembrar dos bons momentos... É o dia que esta relação entra em colapso."
E eu entrei em colapso junto!
Demorei em torno de uma semana para me decidir se resenharia esta obra, e no final, percebi que durante todos esses dias, ela não saiu da minha cabeça, algo que nem todos os livros e qualquer obra faça comigo.
Alerta: há gatilhos e há spoilers no texto abaixo.
“Os dez anos em que mais te amei”, é um manhua (mangá chinês), do gênero drama, que já tinha visto muitas indicações, todas carregadas de lágrimas. Evitei por algum tempo, pois sabia do que se tratava parte da obra, e, há uma semana, decidi me arriscar.
Primeiro, devo dizer que todos os quadrinhos são coloridos, com um traçado suave e muito bonito. De início, isso já me conquistou, contudo, o primeiro capítulo foi arrasador, e depois de começar, é impossível parar.
A história começa com He Zhishu, um homem na casa dos trinta anos, que acaba de descobrir que está com câncer, com uma expectativa de vida de um pouco mais de um ano. Inclusive, é o primeiro dia de inverno, e ele deixa claro para nós que não sabe se viverá para ver a neve outra vez. O impacto inicial não é por conta da doença apenas, mas da apresentação do que mais me abalou: o relacionamento de He.
Ao entrar no ônibus, com a notícia que o seu médico tinha dado, o protagonista telefonema para o seu namorado (é um casal homo afetivo), e esse atende o He na cama de outro homem, mentindo que está fazendo hora extra no trabalho.
Meu coração ficou apertado e ainda no capítulo um, se despedaçou. Segurei as lágrimas nos olhos ao partir para o capítulo dois e compreender que, mais do que a luta do He com o câncer e sua morte lenta, também estamos acompanhando a morte devastadora do relacionamento que para ele era perfeito.
Há 14 anos, He possui um relacionamento perfeito com Jiang, o homem para quem ele ligou. Por conta dele, He abandonou o vestibular de medicina, virou as costas para o pai e agarrou os sonhos de Jaing para realizá-los com ele. Se conheceram ainda no colegial, e desde lá, Jiang tinha sido um amor com o protagonista. Inclusive, foi ele quem tomou a iniciativa do amor.
As memórias mostradas é um detalhe a mais para nos fazer chorar, se comparadas à Jiang atual, que não aparece em casa, possui uma lista de amantes, e suas preocupações não são mais o bem-estar de He.
O ápice do meu sofrimento com certeza foi pelo fato de que, começamos a compreender as subcamadas do enredo, que nos apresenta um relacionamento abusivo, visto que He colocou Jiang acima de tudo, abdicando de sua individualidade. Ele, notando que o namorado possui um amante, que a cada dia se torna mais ausente, e mesmo assim é submisso, decide não contar sobre o câncer, iniciando sua quimioterapia.
Passei minutos em choro silencioso lendo como o protagonista, exausto pelo tratamento, ainda precisava retornar para casa, se deparar com Jiang e precisar explicar o porquê estava cansado, ser cobrado como se estivesse sendo ele o traidor. E por fim, temos não só o abuso psicológico como físico.
He, por mais passivo que aparenta ser, lentamente, ergue sua voz, impõe o quanto está machucado. Entretanto, ele ama Jiang. Ama tanto, que isso nos faz chorar, pois vemos que ele ainda busca o jovem que um dia foi amoroso e atencioso, apenas encontrando o homem que não percebe as marcas de agulha, a magreza e a solidão em que deixou o namorado por três anos.
É desolador a compreensão da morte angustiante do amor, o encanto de He se quebrando, a maneira como a toxidade é nos mostrada aos poucos, e em como ele ainda assim o ama.
O autor não romantiza o relacionamento de ambos, muito pelo contrário, jamais irei perdoar Jiang.
E é aí que temos um terceiro personagem: o médico Ai Ziyu, que é quem acompanha He desde o começo da doença. Aos poucos, ele se afeiçoa e se apaixona pelo paciente, descobrindo a dependência emocional e o abuso dele.
Muitas obras buscam nos mostrar que há sempre uma segunda chance para amar e viver, visto que He está em tratamento e o médico Ai luta a todo instante para ajudá-lo, amá-lo, sem pedir nada em troca além da vontade de viver de He... Mas, essa não é uma dessas obras!
E é aí que o que resta dos nossos corações, se destrói de uma vez: a compreensão de que, com os rumos que a história toma, mesmo assim, He ainda ama Jiang, mesmo ciente da toxidade, de que, mesmo amando-o, já não pode mais viver com ele; é uma morte de relacionamento. A concepção do protagonista de que, o que um dia eles tiveram, já não existe. E é notado isso em pequenos detalhes, na pergunta, na atenção.
E por mais que possamos questionar o porquê de ele continuar a amar, precisamos lembrar que o coração, mesmo pisoteado e ferido, não é controlado dessa forma, e o autor nos mostra da maneira mais triste, depressiva e avassaladora esse fato, desde o médico amando He, como esse amando Jiang, e esse último se dando conta tarde demais de que seu parceiro de longa data, que lutou sozinho pelo relacionamento, está se indo... Sumindo da sua vida de todas as formas possíveis, afinal, o tempo que Jiang achava que podia desperdiçar com amantes e se divertindo, era um tempo precioso demais para He.
Fazia muito tempo que eu não chorava tanto ao ler uma história, principalmente um mangá. É tão trágico, tão arrasador, mas não deixa de carregar um peso extremamente realista, cutucando a ferida de relacionamento abusivo, de preconceito, violência doméstica e estupro. E por isso, sua mensagem, mesmo desoladora, é bela, é para se refletir por toda a vida. Há frases impactantes, momentos em que o diálogo nos machuca, e que se nos colocarmos no lugar de He, compreendemos tamanha sua dor, que choramos só de lembrar.
E sim, inclusive neste momento, estou emocionada!
Como o título nos mostra, não há um final feliz para nenhum dos personagens. Não contarei mais spoilers desse fato, mas acredito que quem começa a ler, já imagina o destino de He.
Recomendo para a vida toda essa obra, por sua carga realista e dramática, me marcou em um bom sentido, e seu enredo entrou para um dos melhores que já li. Não há redenção, nem abuso romantizado, assim como não há esperanças.
Por fim, aviso, quem for ler, reserve o dia para ficar com os olhos inchados de tanto chorar, e sempre que pensar na obra, o coração irá se apertar no peito.