Djeison.Hoerlle 10/04/2023
Estava eu despretensiosamente perambulando pela Amazon (o que é um péssimo hábito quando não se possui dinheiro, diga-se de passagem) quando avistei a capa de Cães. E não sei se foi por nela estar estampada a ilustração de um cachorro fofíssimo, ou se foi o nome da autora - uma das que mais admiro - sucedeu que não consegui ignorá-lo. Eu juro que tentei, mas esse quadrinho parecia me seguir por todas as páginas que eu entrava. Não só da Amazon, mas nas recomendações de vídeos do Youtube e até mesmo na Shopee. Não interessa qual livro eu clicava para ler os detalhes, lá estava Cães, encarando-me, expectante na sessão "leve também". Argumentei que já possuía muitas HQs e que não havia espaço para mais - iria, talvez, arranjar uma briga com o pessoal de casa, mas sabe como é? Onde cabem 600 quadrinhos, muito provavelmente cabem 601. E assim, vencendo-me na base do cansaço, foi que Cães veio parar na minha estante. E que bom que assim foi.
Este é um daqueles quadrinhos que, muito mais do que uma história, é um relato. Em situações normais, eu talvez não consideraria este um argumento positivo, já que tenho me saturado cada vez mais das tantas autobiografias que povoam a bolha de HQs. Mas nada melhor para um coração amargo do que a ternura de um cão. Ou de mais de um. Especialmente pelo olhar sóbrio e tenro de Keum Suk Gendry-Kim, que soube captar como poucos o quão fantástica a vida pode ser ao lado de um amigo peludo. Não pelas aventuras com ele divididas, ao contrário do que pregam aqueles tantos filmes dos anos 80 e 90, mas sim pela sua inata capacidade de rechear cotidianos muitas vezes frios e monótonos com sua infindável ternura, amor e companheirismo.
Mas não é só desta exorbitante alegria de filhote que a história se alimenta. Boa parte dela é construída em um melancólico tom de culpa e preocupação - seja pelos animais que a autora não pode adotar, ou por aqueles outros tantos que seus conterrâneos assassinam para transformar em iguarias. Tais assuntos, outrora distantes de sua realidade, tornam-se alvo de seus pensamentos em recordatórios poéticos e incisivos. Uma verdadeira transformação ocasionada pelo simples ato de adotar um cachorro.
Penso que seja precisamente este, o curioso poder dos cães na vida de uma pessoa. Pois embora a citação escolhida pela autora no posfácio - a famosa passagem de O Pequeno Príncipe - diga que, mesmo sendo igual a cem mil outros no mundo, quando cativa alguém, um ser torna-se diferente de todos os demais, a verdade é que quando um cão nos cativa, ele irremediavelmente torna todos os outros, de alguma forma, importantes para nós.
Leiam esta preciosidade.