Paulo 02/12/2021
Se podemos definir uma temática para essa parte da história é a palavra laços. Os laços que nos ligam às pessoas: seja os laços de família, de amizade, de companheirismo, de amor. Oshimi leva essa conta a outro nível ao nos colocar diante dos laços de sangue, os sobrenaturais que ligam as criaturas da noite. Será que existe uma forma de conciliar esses laços ou chega um momento em que essa matemática se torna impossível? Esse questionamento vai tomar conta da realidade de Makoto e por mais que ele queira negar e fingir que está tudo normal, o seu encontro com Nora mudou toda a sua vida. Cortar laços e reduzi-los a alguma possibilidade racional e saudável é o que será exigido dele, mas ao fazer isso, alguma parte de sua vida terá que ceder. E não sabemos ainda o quanto Makoto está maduro o suficiente para aceitar isso.
Na edição passada, vimos que Makoto se tornou o alvo da gangue que assediava moralmente Yuuki. Ao salvá-lo, ele atraiu a atenção para si. E durante um acerto de contas com a gangue, Makoto estava sendo espancado quando foi "salvo" por Saku, outro ser semelhante a Nora. Ele rapidamente destrói os adversários e faz isso com um sorriso macabro no rosto. No momento em que o último era derrotado, Yuuki aparece no local e se torna o alvo também de Saku, que deseja que Makoto aprenda os prazeres de se alimentar de sangue. Sua força sobre-humana assusta o nosso protagonista que percebe também ter poderes. A confusão está traçada e após todos os problemas com Saku e o ressurgimento de Nora, Makoto se vê arrastado para um mundo estranho e desconhecido. Durante a sua interação com Saku, ele e Makoto acabam bebendo o sangue de Yuuki e este também é transformado em uma criatura da noite. Agora, Makoto e Yuuki se encontram em uma encruzilhada e precisam se decidir o que fazer de suas vidas.
A arte de Oshimi sempre varia um pouco de acordo com as suas necessidades para um determinado momento do mangá. No volume 3, vemos uma prevalência do uso da hachura, dos rabiscados que tentam criar uma estética mórbida e estranha às cenas. Várias delas onde acontecem situações fora do natural tem esse hachurado e criam uma tensão palpável no que está sendo mostrado pelo autor. Outro ponto incrível é o quanto Oshimi é econômico com os diálogos, deixando que a cena fale por si mesma. Tem um momento em que Nora e Makoto estão interagindo em que os diálogos são mínimos, quase monossilábicos. O foco fica inteiramente no rosto e no posicionamento do personagem no quadro. E as cenas são arrepiantes. Não costumo me assustar muito com mangás de terror (no máximo enojado), mas Oshimi faz de um jeito que nos deixa apreensivos. Aliás, por falar em mangás de terror, tem uns momentos quando os personagens estão olhando para o céu que me fizeram lembrar de Uzumaki, de Junji Ito. Não sei se foi uma coincidência ou algo intencional.
Neste volume conhecemos mais sobre a vida do Yuuki e os motivos que o levaram a se tornar um valentão e até a namorar a Nao. No fundo, Yuuki é um solitário com uma mãe que não dá muita atenção a ele. Algo que ficou marcado no volume anterior quando Makoto vai visitar a casa do Yuuki junto com a Nao. Uma das razões que levam uma criança ou adolescente a se tornar rebelde pode ser o abandono familiar. E um abandono que não precisa ser necessariamente total com a morte dos pais ou sair de casa. Um abandono pode ser configurado com os pais simplesmente ausentes da vida de seus filhos. Não se interessando por sua vida, não interagindo. A consequência disso é que atos violentos ou de revolta se tornam uma maneira dos filhos chamarem a atenção. Quase um grito de socorro. Como professor, conheço inúmeros casos assim. É triste dizer isso, mas o que o Yuuki passa no mangá e ao que ele acaba recorrendo é algo comum em nossa sociedade contemporânea.
Quanto ao Makoto, os acontecimentos das últimas edições fizeram com que caísse a ficha e ele percebesse o quanto sua vida pode ter mudado subitamente. Ele se equilibra em uma balança que pode ser definida muito bem pelas personagens Nora e Yukiko. Com quem ele deseja realmente ficar perto? Nora é a sua "progenitora", aquela que o arrastou a esse mundo estranho, não tendo matado o personagem por uma fraqueza ou um instinto momentâneo de carinho por ele. Ela oferece a Makoto a possibilidade de permanecer longe de confusões e de ter uma existência pacífica, porém longe dos humanos. Já Yukiko é carinhosa e afetuosa, ao lembrar de uma situação que aconteceu a ela no passado, já que Makoto a faz lembrar dessa pessoa. Apesar de Yukiko negar, fica claro que ela o ama. Yukiko representa uma existência turbulenta, entre os humanos, e precisando superar obstáculos e desafios que podem colocar sua existência em risco e a de todos ao seu redor. Não é uma escolha simples de ser feita e Makoto vai precisar encontrar dentro de si o que ele realmente deseja.
site: www.ficcoeshumanas.com.br