Certo dia, faz tempo, estava numa rua em Pinheiros quando, do portão de uma casa, sai uma mulher alta, cabeça branca, óculos de aro grosso e vestido azul de bolinhas brancas, bastante decotado.
A mulher, beirando os oitenta anos, parecia só¬lida e muito expressiva. Foi um encontro relâmpago. Voltei para casa pensando: é o tipo de mulher que quando gosta de alguém pode ser muito generosa; em compensação, se não gostar... Continuei fantasiando.
Por outro lado, tudo bem, aquele dia ela estava assim, cheia de energia. Mas e se no mês anterior ela tivesse perdido um amigo querido ou, sei lá, pegado uma gripe? Se eu a visse nesse estado, pálida, trêmula, com os olhos vermelhos e o nariz pingando, teria tido uma opinião completamente diferente a seu respeito.
Entretanto, seria a mesma pessoa. Isso, na verdade, acontece com todos nós, independentemente de idade e de qualquer coisa. Temos momentos de força e alegria, quando parece que tudo vai bem e tudo vai dar certo.
Em outras ocasiões, a pilha fica fraca e, momentaneamente, viramos trastes huma¬nos, seres lamentáveis capengando desanimados por aí. Senti que tinha material para inventar alguma coisa.
Já em casa, escrevi três opiniões sobre a tal mulher, três pontos de vista sobre a mesma pessoa. Dei o título de Tá vendo uma velhota de óculos, chinelo e vestido azul de bolinha branca no portão daquela casa?.
O texto foi publicado primeiro na Revista Nova Escola e mais tarde pela editora FTD.
Agora, para esta nova edição, diminuí o título, dei uma revisada geral e escrevi mais três textos. Refiz também todos os desenhos.
Sei de escolas que, com base no livro antigo, têm estimulado as crianças a criar uma nova possibilidade para a personagem. Outra ideia é pedir que cada aluno escolha uma pessoa, sua conhecida de vista, e a partir daí invente uma vida para ela.
A ficção é sempre, pelo menos eu acho, uma forma de tentar entender as pessoas, a gente mesmo, a vida e o mundo.