Coruja 20/08/2010Eu geralmente vou muito pelos detalhes dos livros que leio - serei sincera: sou uma leitora chata, do tipo que presta atenção em cada mínimo ponto e gosta de fazer referências cruzadas e teorizar sobre as idéias originais do autor.
Obviamente que faço o mesmo aqui.
Para começar, o título original é O menino do pijama listrado: uma fábula. Não é isso que está no título da capa, mas se vocês olharem aquela parte em que tem a catalogação do livro, vão descobrir esse pequeno, quase mínimo detalhe.
O que nos leva a perguntar... porque o autor chamou sua história de fábula? O que é uma fábula?
"Fábula (latim fari + falar e grego Phaó + dizer, contar algo) é uma narração breve, de natureza simbólica, cujos personagens por via de regra são animais que pensam, agem e sentem como os seres humanos. Esta narrativa tem por objetivo transmitir uma lição de moral."
Realmente, o livro é uma narrativa breve - o autor diz em algum lugar que levou exatamente dois dias e meio para escrevê-la por completo. Mas ela tem uma lição de moral, além da que "meninos curiosos acabam na câmara de gás?". Qual a natureza simbólica da história?
Lembro que a Belle, quando me fez a indicação do livro, falou algo sobre amizade. Talvez então, essa seja uma fábula sobre amizade, uma história sobre a capacidade de fazer amigos, de lealdade, de caridade, solidariedade. Mas, no único momento em que Bruno poderia ter sido fiel a sua amizade, quando questionado pelo tenente Kotler na cozinha, ele se acovarda.
Qual pode ser a moral da história? Qual a moral de uma guerra? Guerras, supostamente, são meios para se chegar a um fim. Que fim? A reparação de um erro? A segurança de um povo? A ambição de um governante?
Não acho que o livro seja uma fábula, do ponto de vista que não existe uma moral na guerra. A guerra, nas palavras do Padre Antônio Vieira, é "aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e, quanto mais come e consome, tanto menos se farta". Essa foi uma das melhores definições que encontrei quando escrevia minha monografia que, surpresa, surpresa: era sobre direito de guerra.
O que me surpreende é a forma como Bruno mantém sua inocência pueril morando nada mais nada menos do que em Auschwitz. Aliás, eu gostaria de me bater publicamente por só ter me tocado disso quando Gretel disse a Bruno que ele pronunciava o nome do lugar errado; não era "Haja-Vista". Havia tantas pistas: Shmuel dizendo que estavam na Polônia, a data da inauguração do campo no banco, junho de 1940 - o lugar foi inaugurado em maio, mas foi só em 14 de junho que chegaram os primeiros prisioneiros políticos polacos.
Não entendo como ele, especialmente sendo filho de um comandante da SS, não tivesse noção de quem eram os judeus, de como eles "poluíam" o espaço vital alemão, como eram culpados de todas as vergonhas que a grande Alemanha fora obrigada a engolir com o Tratado de Versalhes de 1919 e como o Führer estava levando-os de volta à glória de seus primeiros dias. Não entendo como ele não foi capaz de compreender o quão errado era tudo o que estava acontecendo quando Kotler esfaqueou Pavel na sala de jantar e ninguém disse ou fez nada (fica nas entrelinhas que o Kotler esfaqueou Pavel... e que estava tendo um caso ou estava a caminho disso com a Mãe de Bruno também. Ou é coisa da minha cabeça?).
Afinal, a juventude ariana era doutrinada desde muito criança - porque é de pequeno que se torce o pepino. Eles eram ensinados sobre sua herança e sobre a 'corja' judaica na escola. Por isso o ensino de História e Geografia era tão importante.
Bruno me fez lembrar de Giusoé, de 'A vida é bela', que vive também numa fábula, num mundo fabricado por seu pai, Guido, para preservar sua inocência. Mas no filme de Benigni, tal farsa é ativamente perseguida pela figura do pai, ao passo que a ignorância de Bruno é de sua própria lavra. Ele não tem capacidade de enxergar - não porque seja muito novo, porque, ao meu ver, não subsiste inocência em tempos de guerra; mas porque não lhe deram as ferramentas para compreensão do que estava acontecendo - e, nesse ponto, a história se torna um tanto implausível para quem conhece um pouco de História.
O livro emociona, especialmente pela forma como o autor usou a linguagem - frases curtas, palavras repetidas, construções simples, típicas de um discurso infantil. Mas é uma emoção, não digo falsa, mas rasa. Nesse ponto, a história de 'A vida é bela' me emocionou muito mais, porque ela tinha um propósito, a forma como o Guido foi capaz de se sacrificar de forma tão completa pelo filho. Nesse livro, não há nenhum sacrifício consciente e muitas das escolhas de Bruno são escolhas egoístas, escolhas, claro, de uma criança sem preocupações.