Larissagris 03/05/2020COMO FALAR COM UM VIÚVO - JONATHAN TROPPER
☕ “Tudo está exatamente como ele deixou, porque, como aconteceu com os outros quartos da casa, não mexi em coisa alguma desde que Hailey morreu, há um ano. A casa parece um retrato congelado da vida que levamos um dia, captado um instante antes de ser totalmente apagado”. – Pág. 10
☕ “Ninguém sabe quando vai morrer, mas talvez em algum lugar lá no fundo, a gente saiba, sim, talvez alguma consciência no nível celular, ciente da contagem regressiva do cosmos, comece a fazer planos, porque na última noite da sua vida Hailey me surpreendeu ao usar um vestido vermelho-sangue super-decotado e supercolante em todos os lugares certos. Era como se ela soubesse o que a esperava, soubesse que aquela seria a nossa última noite juntos e, decidisse impedir que a sua lembrança desbotasse rápido demais na zona cinzenta da memória”. – Pág. 10
☕ “Eu ainda estava tentando me acostumar a tudo isso quando Haylei pegou um avião para encontrar um cliente na Califórnia e, em algum lugar sobre o Colorado, o piloto, não se sabe como, perdeu o rumo. Às vezes aquela vida que mal começara me parece tão tênue quanto um sonho desbotado e preciso convencer a mim mesmo de que ela foi de fato real. Eu tinha uma esposa. Seu nome era Hailey. Agora ela se foi. E eu também”. – Pág. 12
☕ “Certo. Eis o que aprendi. A gente pode passar a vida sendo legal com todo mundo, pode ser um filho amoroso, um aluno razoavelmente bom, jamais usar drogas pesadas ou engravidar a filha de alguém, ser o modelo de bom sujeito e viver em harmonia com todas as criaturas de Deus. Mas basta bater com uma Mercedes roubada em frente à delegacia aos 15 anos para que ninguém jamais se esqueça disso”. – Pág. 20
☕ “[...] e os imaginei em sua sala bege-queimado, sentados no sofá cor de champignon assistindo à televisão, enroscados um no outro. E pensei que um poderia perder o outro amanhã, que um deles, ou ambos, talvez estivesse morto antes que a tinta fresca secasse na parede...”. – Pág. 24
☕ “Mas, largado ali na varanda como um zero à esquerda, de olhos fechados, sugando as últimas tragadas do baseado descartado por Russ, posso sentir a presença dela de forma tão intensa que momentaneamente minha respiração fica entalada na garganta cheia de fumaça e sinto um arrepio na nuca. Oi amor, digo a ela mentalmente. É você que estou sentindo ou apenas o buraco que você deixou?” – Pág. 32
☕ “A gente se apega desesperadamente a cada lembrança, e então as próprias lembranças envelhecem e se desvirtuam...”. – Pág. 65
☕ “Ainda assim, doeu quando troquei a roupa de cama, foi mais uma maneira de deslocar Hailey para o pretérito, mais um passo me levando a cruzar a inevitável fronteira, e por isso não consigo me forçar a fazer uma arrumação, pois cada mínima coisa que retiro ou limpo é mais um vestígio dela que é irremediavelmente apagado”. – Pág. 65
☕ “No entanto, por pior que seja ficar nesta casa, raramente saio dela. Porque a dor é meu último vínculo com Hailey, e, por mais forte que seja, eu me abrigo nela como num cobertor, como uma adolescente que corta com uma gilete a própria coxa, machucando a mim mesmo simplesmente porque precisa sentir alguma coisa”. – Pág. 66
☕ “Não estou pronto para deixar que o tempo cicatrize essa ferida, mas também sei que sou impotente para detê-lo. E o fato de compreender isso me leva a lutar ainda mais para me agarrar a dor e me ancorar a essa tragédia enquanto ela ainda está fresca”. – Pág. 66
☕ “E quando esse dia finalmente chegar, quando o tempo inevitavelmente acabar ganhando de mim, serei obrigado a aceitar que Hailey se foi para sempre”. – Pág. 66
☕ “Você quer seguir em frente, mas para isso é preciso deixa-la para trás, e você não quer deixa-la para trás, por isso não segue em frente. Ou talvez chegue a dar um pequeno passo adiante, e então sente toda a dor de perdê-la novamente, e se sente culpado por tentar parar de sentir essa dor...”. – Pág. 96
☕ “Dizer que está bem, de certa forma, desqualifica tudo o que você tem passado e, de algum modo, estar bem parece uma desfeita à sua esposa morta, um sinal de um amor de segunda mão”. – Pág. 96
☕ “Agarro com força a minha caneca, desejando ser o tipo de sujeito com coragem suficiente para jogá-la na cara de Jim. Ele provavelmente me mataria de pancada e processaria o meu cadáver. Malditos advogados”. – Pág. 128
☕ “É a vida, só isso. Não existem finais felizes, apenas dias felizes, momentos felizes. O único fim genuíno é a morte e, acredite, ninguém morre feliz. E o preço de não morrer é ver as coisas mudarem o tempo todo, e a única certeza que temos é a de que não há nada que se possa fazer a respeito”. – Pág. 176
☕ “Às vezes Claire é despótica e invasiva e se acha insuportavelmente superior, mas, quando desmonto, é a única pessoa que sabe juntar meus pedaços”. – Pág. 208
☕ “Você jura que jamais será igual aos seus pais. Ouve música de vanguarda, se veste com roupas modernas, transa em pé ou na mesa da cozinha, diz “foda-se” e “merda” a torto e a direito, e aí, um dia, sem qualquer aviso, as mesmas palavras que seus pais usavam saem da sua boca como agentes secretos que há muito aguardam ordens para entrar em ação. Você ainda é jovem o bastante para ouvir suas palavras com os ouvidos do adolescente sentado ao seu lado, e percebe quão lamentáveis e inúteis, no fim das contas, serão suas tentativas, como uns míseros sacos de areia contra o tsunami do destino genético”. – Pág. 220
☕ “Ontem à noite, olhei para ele e disse estar preparado, mas agora, deitado aqui, me dou conta de que errei. Estou a quilômetros de distância de estar preparado para morrer. Já morri o bastante. Ainda tenho um bocado de vida para viver. Só precisa começar a fazer isso com um pouquinho mais de cuidado”. – Pág. 247
☕ “ – Como consegue lidar com isso? – pergunto, sentindo-me instantaneamente deprimido.
Ela dá de ombros, tristonha.
– Da mesma forma que lido com qualquer outra coisa. Simplesmente torço para que haja mais dias bons que ruins. ” – Pág. 249
☕ “A esta altura da vida já não corro atrás de finais felizes. Estou apenas tentando dar a largada”. – Pág. 269
☕ “No silêncio repentino, me pego pensando que vou contar a Hailey como é engraçado quando Russ e eu cantamos no carro. Isso ainda acontece às vezes, mesmo agora, como um reflexo condicionado que não consigo desaprender, e uma onda aguda de melancolia me invade”. – Pág. 269