Alane.Sthefany 14/04/2022
Cartas Sobre a Felicidade - Epicuro
Cartas Sobre a Felicidade é um documento absolutamente decisivo para desfazer aquele equívoco que uma tradição apressada costuma associar à doutrina epicurista, quase sempre confundida com o gozo imoderado dos prazeres mundanos.
Já que versa justamente sobre a conduta humana tendo em vista alcançar a tão almejada "saúde do espírito".
Inicia-se a carta por uma decidida exortação ao exercício da filosofia, considerada desde logo como uma disciplina cuja única meta é justamente tornar feliz o homem que a pratica, de tal modo que este deve cultivá-la durante todo o transcurso de sua existência, desde a mais tenra juventude até a idade mais avançada.
"Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito."
"Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer por meio da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir."
Logo após, aborda sobre os tópicos que (Epicuro) considera essenciais para essa busca permanente da felicidade.
E no tópico seguinte, aparece a morte, apresentada como o mais aterrador dos males. Torna-se absolutamente necessário vencer esse medo da morte; ninguém deve temê-la, uma vez que não há nenhuma vantagem em viver eternamente: o que importa não é a duração, mas a qualidade da vida.
Em seguida, as várias modalidades de desejo, acompanhadas da necessidade imperiosa de controlá-lo, tendo em mira tanto a saúde do corpo quanto a tranquilidade do espírito.
O prazer, como bem principal e inato, não é algo que deva ser buscado a todo custo e indiscriminadamente, já que às vezes pode resultar em dor. Do mesmo modo, uma dor nem sempre deve ser evitada, já que pode resultar em prazer.
De qualquer maneira, recomenda-se uma conduta comedida em relação aos prazeres, conhecido como: o princípio da qualidade em detrimento da quantidade.
Trechos Preferidos ?????
Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações.
Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo, portanto, quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.
Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos.
A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida.
O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não viver não é um mal.
(...) ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.
Pior ainda é aquele que diz: bom seria não ter nascido. Se ele diz isso com plena convicção, por que não se vai desta vida?
A finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo.
Só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir.
Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo.
Toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas.
Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem.
Consideramos ainda a autossuficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é natural é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.
Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita.
Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida
Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição.
De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem.
Na tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio, que se comporta de modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende a finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimentos leves?
Entendendo que a sorte não é uma divindade, como a maioria das pessoas acredita (pois um deus não faz nada ao acaso), nem algo incerto, o sábio não crê que ela proporcione aos homens nenhum bem ou nenhum mal que sejam fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que dela pode surgir o início de grandes bens e de grandes males.
Medita, pois, todas estas coisas e muitas outras a elas congêneres, dia e noite, contigo mesmo e com teus semelhantes, e nunca mais te sentirás perturbado, quer acordado, quer dormindo, mas viverás como um deus entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a um mortal o homem que vive entre bens imortais.