Amanda 14/10/2020
Queria ter aproveitado mais a leitura dessa saga, mas eu tive um certo problema - ou melhor, eu tive vários, mas vamos falar um de cada vez - com o fato de que não é só uma história, é uma história contada para encaixar no contexto real Histórico. Não era mais sobre as escolhas dos personagens, onde cada um estaria no final, é sobre onde eles deveriam estar no final, então a narração precisou forçar seu caminho para a história chegar onde a História também chegou. Por isso senti que o desenvolvimento de alguns personagens não foi natural. E é um pouco frustrante a gente torcer por um personagem e saber que não vai dar em nada mesmo.
Não consegui me apegar a quase ninguém, queria que todo mundo morresse logo para me livrar de arcos entediantes, na maioria do tempo era um bando de personagens acomodados, que reclamava do que estava errado no mundo e não fazia nada para mudar, jogava tudo nas orações para a deusa ou para o deus cristão e esperava o milagre vir. Era um discurso tipo "eu não vou matar, mas se a deusa quiser me usar para matar, tudo bem".
Mais uma vez, fomos privados de momentos importantes, não tivemos o gostinho das grandes guerras, e se não fosse pela Morgana tendo a visão, a gente não saberia de outra metade de coisas. O clímax da saga, que seria o confronto de Artur contra Mordred, sei lá como que aconteceu, Morgana só aparece para lidar com as consequências do duelo, que foi melhor narrado no prólogo do livro 1 do que agora, quando de fato aconteceu.
Concluo essa saga decepcionada. A história parte do ponto A e no final ainda está no ponto A. É como se nada tivesse acontecido, eu não comprei a ideia de que a Deusa ganhou seu lugar mundo e está presente entre nós, então a missão foi cumprida. Tivemos bons momentos e questionamentos, mas todas as mensagens, posicionamentos e críticas ao cristianismo perdem força dentro da narração por causa do final, "não é o que você fala, é o que você faz", e o que a autora fez foi aceitar e fazer a Morgana aceitar.
Outro detalhe que me marcou e me incomodou profundamente nessa leitura, citado na apresentação da autora, foi ela ter se apresentado como "não feminista". Eu comentei na resenha do livro 1 que era hipocrisia falar isso e criar uma história feminista, mas não consigo tirar da cabeça que tudo isso era realmente a grande intenção da autora, narrar como as mulheres perderam poder, mostrar o que elas foram e o que não são mais. Esfregar na nossa cara como o nosso mundo chegou onde chegou. A minha impressão é que ela teve uma felicidade danada em narrar os últimos três capítulos e escrever que o mundo agora era dos homens, que as mulheres precisariam de um homem para protegê-las e que uma mulher que se recusou trair outra mulher foi morta por isso.
O último assunto que quero abordar é um que vinha a tona sempre pela boca do Kevin, que batia na tecla que não importava os cristãos darem crédito dos feitos da deusa ao deus cristão, porque no fim das contas todos os deuses são um. Mas eu quero dizer que acho isso bem problemático, não importa a veracidade de um feito, basta o símbolo que ele representa e a força que ela carrega. Símbolo e força juntos são poderosos o suficiente para atrair o fiel e isso cria uma bola de neve para ideias, pensamentos e doutrinas.
OBS: Descobri, quando já estava no meio do livro 2, que a autora dessa saga está envolvida em sérias acusações de estupro e pedofilia (feitas pela própria filha). Ainda estou pensando sobre o tópico de separar ou não a obra do autor, mas enquanto não chego à conclusão alguma, fica o alerta para futuros leitores. Acho que se eu soubesse disso antes, teria repensado a escolha desse livro para ler e não sei quanto isso influenciou minha percepção sobre a obra.