Lisa 22/06/2021
Até onde os mitos são reais?
Esse livro foi o meu primeiro turco e me faz pensar em um samovar, vaporoso, forte e repleto de chá porque essa leitura foi assim, banhada a canela, maçã e cravo ou um de um adaptado türk çayi. Ora, o que fazer? Eu sou emocionada. Uma vez que eu tenha entrado em contato com uma cultura diferente eu preciso ver, ouvir, beber e vivê-la do melhor jeito q eu puder. Sim, sou dolorosa e sofregamente apaixonada por culturas e quanto mais distantes melhor. E agr me pego totalmente interessada, desejando um çaydanlik (uma chaleira turca especial) e também um Cezve (um bule de cerâmica turco para fazer um café extraordinário) e com Emir Taha no replay a dias cantando Kendine Gel. Vê? Por isso o dolorosa no início.
"A Mulher ruiva" narra uma história de complexidade familiar parterna e se entrelaça ao Édipo a um ponto em que nos indagamos o que é mito e o que é realidade e quanto uma é influência da outra. O que me lembra Oscar Wilde quando lord Henry fala ao Dorian sobre Sybil "a arte reflete o expectador e não a vida." O enredo em si é levemente cativante, sendo bem sincera embora tenha amado a escrita do autor, e o plot twist discreto do final tenha sido surpreendente, é uma história regular e morna. A genialidade do livro mora aqui: embora haja um enredo, ele não é sobre sobre o mito, abandono parental, traumas e/ou ciclos. "A Mulher Ruiva" É uma história sobre A História. Sobre como ela vive e é eterna mesmo que majoritariamente esquecida. É um memorando sobre a arte, sobre museus e como historias alem de culturais sao reais, vivas, vibrantes e fluidas. E foi isso que me fez devorar as páginas. C.R Kiernan em A Menina Submersa ja dizia " fantasmas são essas lembranças fortes demais para serem esquecidas, ecoando ao longo dos anos e se recusando a serem apagadas pelo tempo...As pessoas cometem o erro de usar arte para capturar um fantasma, mas somente terminam espalhando sua assombração para inúmeras outras pessoas" Com certeza Cem, Enver, Ayse e Gulcihan concordariam com isso.
Pamuk não apenas me apresentou um mundo de cultura e história, ele me restaurou Édipo Rei. A primeira vez que li eu tinha 15 anos e amei, depois na faculdade Freud manchou essa historia e ate o mês passado eu não conseguia mais dissociar Édipo de Freud, tinha se tornado algo desmotivador para mim e ler esse livro era tbm irritante. "Serio, vou ter que lidar com isso a historia toda?" E entao um pensamento surgiu "Sófocles ja existia antes de Freud, deleta isso", por fim na segunda parte em um museu de historia turca o Pamuk me bateu na face dizendo que o Édipo pertence somente a ele mesmo, que essa história existe e ela é o que ela é, livre de qualquer um, e associada a muitos. E assim conheci o Shahnameh com Rostam e Sohrab, um tipo de Édipo invertido e igualmente antigo. Conheci Ivan o Terrivel e seu filho, Ardashir e Gulnar, Farhad e Shirin. Conheci pinturas históricas e seus autores. Conheci o panorama turco e iraniano, o dilema ocidental e oriental e o choque dele em uma cultura. A Mulher ruiva é sobre politica, história, cultura, sofrimento humano, dor, arte e como o viver é dolorosamente real e o errar tão humano.