Valéria Cristina 01/12/2022
Meu Deus!
Para mim foi difícil terminar essa leitura. A escrita é brutal, muitas vezes escatológica, e repleta de gatilhos. Houve horas em que a pausei para poder digerir a escrita. Sim, esse livro exige digestão. E essa não é fácil. Demora um bocadinho para o efeito dela se desfazer.
Todas as situações explicitadas nas narrativas exploram os limites humanos, os limites instintivos, os limites fisiológicos, os limites viciosos e emocionais. Cada conto aborda um tipo de violação e expõe vítimas e consequências de forma crua, direta, literal. Ainda, dá visibilidade aos invisíveis, àqueles os quais vemos, mas não enxergamos.
A maioria das narrações retrata a violência contra a mulher, violência explorada no máximo de sua capacidade destrutiva. Tenho a impressão de que, com esse estilo, a autora pretendeu mesmo provocar, chocar e despertar-nos para a ocorrência de abusos, crimes sexuais, exploração, incesto, subjugação. Situações estas, muitas vezes (mas nem sempre) revestidas por uma capa de normalidade e presenciada por diversos atores absolutamente inertes.
Penso, ainda, que não se trata de retratar apenas a sociedade do Equador (país de origem de Ampuero), mas qualquer sociedade humana. Até porque as histórias não situadas em lugares específicos. Nenhum deles é nominado. Assim, as situações podem ter acontecido na casa de nosso vizinho do lado, no apartamento de algum familiar, amigo, ou colega de trabalho.
Trata-se de um livro que não traz diversão ou entretenimento, mas reflexão e náusea. Destaco os contos: Paixão e Luto.
María Fernanda Ampuero (Equador, 1976) escreve narrativa de ficção e de não-ficção. Possui trabalhos publicados em inglês, francês, chinês, dinamarquês, alemão, português e italiano. Seu último livro, Pelea de Gallos (Páginas de Espuma, Madrid, 2018), foi um dos dez livros do ano do The New York Times en Español e já foi traduzido para vários idiomas. É uma das escritoras latinoamericanas mais importantes dos últimos anos, de acordo com a revista Gatopardo. Pelea de Gallos recebeu o prêmio Joaquín Gallegos Lara 2018 como melhor livro de contos do ano. Em 2012, foi selecionada como uma das 100 latinas mais influentes da Espanha, país em que vive desde 2005.