Invasão Bárbara 05/11/2023
Rinha de galos
A obra abre com duas frases de outros autores que dão o clima do que está por vir: "Tudo que apodrece forma uma família" e "Sou um monstro ou isso é ser uma pessoa?".
Rinha de Galos é uma coletânea de contos da equatoriana María Fernanda Ampuero, lançada originalmente em 2018. As 13 histórias envolvem violência física e psicológica no ambiente doméstico, tendo como vítimas crianças e mulheres na maioria das vezes, e como isso leva à visões distorcidas sobre carinho, afeto e amor.
O conto que abre o livro, Leilão, é sobre uma mulher relembrando sua infância ao lado do pai que organizava rinhas de galos: ela fala sobre cheiros pútridos, animais estraçalhados, homens violentos que a assediavam, o pai a chamando de "mulherzinha" sempre que chorava e como precisou se brutalizar para sobreviver. Essas lembranças vieram à tona ao perceber que foi sequestrada por um taxista e não sabe o que vai acontecer em seguida.
Muitas das narrativas envolvem adolescentes com sexualidades complicadas (essa foi a palavra mais bonitinha que achei), figuras masculinas abusivos, mães emocionalmente abaladas, relações patroas-empregadas com ares de escravidão e até passagens bíblicas são recontadas.
Já faz algumas décadas que está se criando uma tradição de escritoras latino-americanas com consciência social e escrita densa, até angustiante. O Rinha de Galos pode ser uma boa porta de entrada para quem quer começar a lê-las, porém, não gostei tanto assim do livro.
Ele tem o mesmo defeito de Sobrevivente do Chuck Palahniuk: histórias construídas para chocar o leitor.
Praticamente não tem subtexto e a tentativa de universalizar os contos acaba tirando parte da sua força, os tornando genéricos. Esse extremismo na literatura, um naturalismo miasmático, exige localização geográfica e cultural. Precisa de nomes de ruas, dialetos, lendas locais, fatos históricos e que os personagens se pareçam com os habitantes reais para ter impacto. E isso quase não acontece aqui.
Então, recomendo o livro para quem gosta de terror pé no chão ou está tendo seus primeiros contatos com autores contemporâneos da América do Sul.
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