Augusto Stürmer Caye 12/12/2022
A fiel depositária de nossas falhas
O jovem professor Pietro Vella inicia um relacionamento com uma ex-aluna, Teresa. Eles brigam, dormem com outras pessoas, se provocam e, finalmente, fazem um pacto: ambos contam um ao outro seus segredos mais sombrios. Dias depois, se separam.
Pietro constitui família com Nadia, torna-se um respeitado autor e crítico do sistema educacional apontando desigualdades, enquanto Teresa ganha fama como cientista. Mas seus caminhos se cruzam novamente e, especialmente, Pietro continua assombrado pelo conhecimento que passou para Teresa e o que ela pode fazer com isso.
Dividido em três partes, a primeira e de longe a mais longa seção do romance é contada por Pietro, e Starnone encontra uma maneira elegante e sutil de revelar a maneira como esse personagem difícil vê o mundo: aparentemente com a mesma idade do autor (que era nascido em 1943), Pietro não percebe o desequilíbrio de poder entre ele e sua ex-aluna como problemático e não apóia particularmente sua esposa, que poderia ter feito carreira na universidade; mas, ao mesmo tempo, ele não é um vilão clássico, pois ele, o estudante universitário de primeira geração, é atormentado por dúvidas sobre seu trabalho, se é ou não uma fraude, e suas conexões com quatro mulheres:
Teresa, a mulher forte e independente, torna-se um fator de controle simplesmente pela verdade que ela sabe sobre ele e pelo fato de que ele teme que o mundo possa ouvi-la. Nadia, sua esposa, é uma brilhante e promissora universitária que é assediada por seu professor. Ante a recusa desta de se submeter, recebe uma negativa no avanço do seu trabalho e tem sua carreira drasticamente encerrada. Nádia é interessante por se manter fiel à Pietro mesmo que isso significasse o fim de sua carreira, tudo em nome do bem estar de sua família; a forma como ela processará isso ao longo das décadas, em atitudes por vezes muito passivo-agressivas, são, para mim, completamente justificáveis ante a falta de reconhecimento e atitude que Pietro tem para auxiliar sua esposa. A terceira, Tilde, é a elegante editora dos livros de Pietro que simboliza seu flerte com a própria carreira e ascensão de classe. Pietro a quer mas não se sente merecedor; a quer, a considera a própria finesse, mas não acha que deve, e, ao fim, não consegue, o que nos lembra de todas as dúvidas que ele mesmo tem sobre si. Por fim, a quarta mulher é a própria filha, Emma, cujas poucas menções durante o relato do autor principal é significativo da própria ausência do pai junto à filha. Só nos relatos seguintes, da própria Emma e de Teresa, que ela toma um protagonismo, o que me faz questionar se é a ausência do pai na infância da filha e o sucesso do pai que a fazem admirar tanto, querendo que este a note, em que pese os demais filhos Sérgio e Ernesto tenham o comportamento contrário: estão longe no mundo e sequer verão as fotos e vídeos do pai.
A segunda parte é contada pela filha de Pietro, Emma, ??e, por último, a supostamente incontrolável Teresa. Essa mudança de perspectiva abre a narrativa para vários tipos de decepções: até que ponto os personagens traem uns aos outros e, mais importante, a si mesmos? Quem são eles, percebidos por eles mesmos, quem eles querem ser para o mundo? Todo o conto continua emocionante até a última página que é, então, subitamente interrompido, deixando-nos à mercê de nossa própria imaginação do que acontecerá, e nos leva a refletir sobre como a nossa própria moralidade e história são relativas aos nossos próprios pontos de vista.
Concluindo, Segredos é também a terceira obra do autor a tratar da perspectiva do transcurso do tempo e das nossas reflexões sobre a própria vida, em uma coletânea de 03 pequenas obras: Segredos, Laços e Assombrações, todos maravilhosos, curtos e reflexivos. De minha parte, o ponto que me mais fez refletir é a confiança que depositamos aos demais: em nós mesmos, em nossos amigos, em nossos parceiros, em nossos parentes, e no que somos para nós e para os outros. Recomendo fortemente a qualquer um que queira pensar sobre o assunto.