Coisas de Mineira 16/08/2022
O ÚLTIMO ANCESTRAL : AFROFUTURISMO BRASILEIRO
O Último Ancestral é um livro de ficção científica afrofuturista do autor brasileiro Ale Santos (compre seu exemplar) , foi finalista do primeiro CCXP Award na categoria ficção. Publicado no Brasil pela Harper Collins numa edição caprichada em capa dura, O Último Ancestral ganhará uma adaptação para as telas. A Harper Collins fechou com a RT Features um acordo para o desenvolvimento de uma produção audiovisual baseada no livro.
A trama traz um mundo distópico, com uma tecnologia de ponta convivendo com o racismo. Acompanha Eliah, um jovem da favela de Obambo, e sua irmã Hanna, que se mostrará talentosa com tecnologia. Obambo é onde as pessoas pretas são segredadas na cidade de Nagast. Por lá, o controle está nas mãos de Cygens, híbridos de humanos com máquinas, e que são extremamente fortes.
Para sobreviver e garantir o sustento da irmã, Eliah cai no mundo do crime. Acontece que, ao beijar uma garota em uma balada, tem uma visão, onde um espírito ancestral diz que ele tem a missão de libertar seu povo, e resgatar sua cultura, pois é o Último Ancestral.
Seja como for, ele não acredita nessas visões, uma vez que suas crenças foram massacradas pelos Cygens. Ainda, um outro ser mitológico percebe o surgimento dos poderes do Eliah, e quer derrotá-lo, pois sabe que precisa acabar com qualquer possibilidade do povo de Obambo se rebelar. Será Eliah o último Ancestral?
“Malandro, que sensação doida. É como se eu tivesse acordado de um sonho bizarro. Lembro coisas que não vivi, não nesse tempo nem com esse corpo.”
Resenha do livro O Último Ancestral, de Ale Santos
Sabe quando a gente está passeando pela livraria, e um livro chama a atenção pela capa? Pois foi assim que me rendi à O Último Ancestral. A capa é belíssima, e conta com uma edição especial com o mapa de Nagast. Com toda a certeza, o que me pegou em seguida foi encontrar um livro afrofuturista que se passa em um lugar fictício, que tem um sambódromo e a Basílica de São Jorge. Já te convenci?
Pois bem, a trama é cheia de ação, com muitas cenas gráficas e um desenrolar que me fez sentir como se estivesse em um tabuleiro de RPG; descobri depois que o autor é consultor de gamificação.
Outro ponto diferente é que, como toda a estória se passa em uma favela, a linguagem dos personagens reflete o ambiente. Mesmo perdida em algumas situações, achei perfeito, só imaginando uma garota de alguma comunidade lendo as palavras que ela usa no dia a dia.
“Quem via de fora chamava de bala perdida, mas quem vivia na favela chamava de chacina.”
O Último Ancestral: Uma mistura ousada
Entretanto, apesar de achar ousado a mistura de tecnologia com orixás, em alguns momentos eu fiquei perdida. O autor traz muito da cultura africana, e senti falta de um glossário. Claro que, vivendo num país com o sincretismo religioso como o Brasil, conhecia muitos dos termos e da cultura. Senti dificuldade mesmo foi na junção dos dois.
Em relação aos personagens, vale mencionar o crescimento do Eliah, que demora um pouco a assimilar seu papel na trama, o que é absolutamente crível – como entender que pode ser uma pessoa com a missão de salvar seu povo? Ele trabalhava para Zero, um personagem bem complexo, o chefe do morro, daqueles que a gente ama e odeia. Ele é importante para os acontecimentos em Obambo, mas nunca entendemos bem seus objetivos e suas escolhas.
Todavia, a irmã de Eliah – Hanna, é quem rouba as cenas, e apresenta um amadurecimento incrível. Ela é decisiva em muitos momentos na guerra que está por vir. E ainda temos Selci, uma personagem que traz para Eliah a oportunidade de se reconectar com sua cultura. Eu não gostei muito dela, e ainda achei que o interesse romântico foi muito rápido. Entendo que estamos no meio de uma guerra civil, mas ela era em muitos momentos arrogante demais. O Eliah não concordaria comigo…
“A sobrevivência é uma arte ancestral adormecida em sua alma. O mundo faz de tudo para ela ficar ali, parada, e mesmo assim ela dá sinais no dia a dia.”
Um grito que não vai se calar
Finalmente chegamos próximos ao confronto final. Pois o vilão foi bem construído, e parecia que algumas explicações ainda surgiriam, ainda assim achei que a batalha final foi rápida demais. Ainda que bem construída, teve uma conclusão rápida, deixando algumas questões para o próximo livro – que já tem o título definido: A Divindade Digital, ainda sem data de lançamento.
Em suma, o que fica mesmo é o racismo estrutural, com uma sociedade baseada na divisão, com uma população marginalizada e esquecida, que teve sua ancestralidade arrancada, mas que resiste da forma como consegue. Também deixa claro que não existe uma linha definida entre bem e mal, e que os heróis não são necessariamente perfeitos, e que essa ambiguidade é o que os torna humanos.
O Último Ancestral é necessário e atual, traz o grito dos excluídos, e deixa aquela ponta de esperança. Costumamos dizer que no Brasil tudo termina em Carnaval, não? Dessa forma, o autor se apropria dessa ideia, ainda que o carnaval dele é aquele respiro, um momento de alegria sem deixar de entender que a guerra ainda não acabou!
“Lutar sozinho é um ato legítimo de sobrevivência, mas, quando nos unimos às lutas de outros que tem o mesmo desejo de viver, esse ato se torna uma revolução.”
O que é o Afrofuturismo?
O Último Ancestral é uma obra afrofuturista, um movimento cultural, estético e político que se manifesta em vários movimentos culturais a partir da perspectiva do povo preto e utiliza elementos da ficção científica e da fantasia para criar narrativas de protagonismo preto, por meio da celebração de sua identidade, ancestralidade e história.
O autor Ale Santos é formado em Publicidade e Propaganda, especialista em storytelling e professor de Gamificação na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Ainda, é colunista de sites como The Intercept Brasil, além de ter sido escolhido como um dos Top Voices 2019 do LinkedIn. O livro tem arte de Rafael Albuquerque, quadrinista conhecido por seus trabalhos na DC Comics, como Batman e Vampiro Americano; e Douglas Lopes, ilustrador do Infiltrados no Cast.
Por: Maísa Carvalho
Site: www.coisasdemineira.com/2022/08/livro-ultimo-ancestral-resenha/