Henggo 25/05/2022
O horror e a revolta traduzidos
Eu era pequeno quando, sem querer, derrubei o lanche de um coleguinha na escola. Sem saber o que fazer, corri para longe. Como era horário de saída, minha mãe viu e não deu outra: me obrigou a voltar e pedir desculpas para o menino. E aínda tirou da minha mesada o equilavente a três dias de lanche para ressarcir o garoto. "Quem erra tem de encarar as consequências, mesmo que doa. É assim que se aprende a não errar de novo", ensinou.
Eu aprendi.
Tenho 15 anos de carteira de motorista. Nesse tempo, tenho orgulho de dizer que só tive 3 acidentes, apenas 01 provocado por mim, quando bati no carro de um senhor em uma rotatória. E naquele dia, no longínquo ano de 2017, eu lembrei das palavras da minha mãe: reconheci meu erro, pedi desculpas, passei o número do meu celular para ele e, no dia seguinte, estávamos na oficina onde paguei o prejuízo que eu causara.
Simples assim.
Sim, simples assim: errou, conserte o erro.
Por isso que ler esse livro foi revoltante. Minhas convicções foram abaladas. Principalmente porque uma empresa que ganha bilhões - e continuou a ganhar mesmo durante a tragédia - se recusar a arcar com a responsabilidade gigantesca que teve é um retrato de escárnio, apatia, desrespeito, falta de civilidade...
É um retrato enlameado do Brasil.
É um escárnio.
Brumadinho não foi um lanche caído no chão ou um carro batido. Foi a morte, a destruição, o horror, consequências mil que perduram até hoje.
Simples assim: matou, finja que foi sem querer.
E finja que as indenizações são... presentes que você, culpado pela tragédia que já sabia há anos que poderia acontecer, está dando para as famílias afetadas.
Simples.
"Arrastados" não é um livro fácil. Que bom. Ele é cru, é descritivo, é impactante e emocionante. Eu tive de parar algumas vezes, principalmente diante dos relatos de união das pessoas para ajudar.
Em tempos tão estranhos como esses de 2022, onde se mata por nada, sociedade tão desunida, demonstrações assim me levam às lágrimas.
É humano. É uma lembrança de que ainda somos humanos.
A violência ocorrida em Brumadinho, contada de um ponto de vista íntimo, detalhista, amoroso, saudoso, tornou essa emoção ainda mais latente.
Daniela Arbex foi ponto de escuta; foi silêncio onde palavras não conseguiram traduzir o horror e a revolta. Mas aqui, no livro, ela conseguiu.
Assim como em "Holocausto Brasileiro", eu fui puxado para a realidade que daqui, da minha bolha social, eu não enxergava. A TV não traduz o que um livro enxerga. E aqui, você é obrigado a abrir os olhos e a mergulhar.
A lama de Brumadinho (e de Mariana, não esqueçamos!) envolve a todos nós.
Estamos todos soterrados pelo descaso.