Lisa 06/03/2024
Vozes Femininas
Na segunda temporada de Mrs. Maisel, a protagonista é retirada do palco por falar sobre gravidez, o dono do estabelecimento a acusa de inapropriada, que falar sobre "lady issues" é inadequado, nojento, desinteressante. As mulheres que lidem com seus problemas femininos em silêncio. Se observamos a história, sempre foi assim, a mulher e suas questões são um mistério e um tabu. O homem não compreende o corpo feminino, seja na complexidade de seu funcionamento ou mesmo na hora de ofertar prazer. Felizmente, as mulheres hoje tem se sentido cada vez mais confiantes em falar sobre, assumindo uma dianteira de autonomia e autoafirmação, afinal, os tais problemas femininos são sim, problemas públicos, políticos e sociais.
Katherine Faulkner é um desses nomes. Nesse thriller, ela levanta as diversas complexidades da maternidade e das relações femininas. Em um livro inteiramente narrado por mulheres e protagonizado por elas, temos 3 facetas da gravidez. Serena com sua gestação perfeita que se fortalece a medida que cresce a sua bebê, como diz. Já Helen com a gestação de risco, inchada, sem fôlego, dolorida nos apresenta a gravidez sem glamour e por fim, Rachel, com a gestação imprudente. A grávida que bebe, fuma e não se cuida. Que age como se não o estivesse.
Helen é a nossa protagonista, mas não uma comum, Faulkner quebra o lugar comum. Helen não é nem uma coitada, nem uma musa empoderada. É, na verdade, uma protagonista com personalidade de coadjuvante. Passiva, solitária e com um intenso complexo de inferioridade, se vendo sufocada pelo dias e pelo peso da barriga. Em licença médica antecipada, não trabalha e não tem hobbies para se ocupar. Mora em um bairro nobre com uma casa imensa, mas é atormentada pela reforma interminável. Os amigos ocupados não tem tempo para ela. Quase não vê o marido, que não oferece suporte algum. Vai sozinha para aulas do pré-natal. Passa os dias no parque de Greenwich, onde mora, tomando chás e descafeinados superfaturados ou em lojinhas de bebês, buscando um escape da vida que a atormenta e do medo de perder, novamente, mais um bebê.
Helen é frágil com motivo, mas é levada a acreditar que é menos confiável do que realmente o é. Constantemente invalidada e invisibilizada pelos outros. Não havia fotos suas no casamento do irmão, sequer foi chamada para madrinha pela cunhada a quem se considerava tão amiga. Sequer é lembrada quando em um acidente avisam as grávidas para tomarem cuidado com os vidros, eram 3, somente duas são alvo de atenção.
Se Helen se encolhe e recolhe, Rachel faz o oposto, ocupo todo e cada espaço, emite todo som que consegue produzir. É irresponsavel e inconveniente, causa estranheza e rejeição, não somente em nós, mas em todos os personagens. Não combinam, ainda assim essa amizade surge, em parte porque Rachel misteriosa e desesperadamente impõe essa relação, em outra porque uma má companhia é melhor do que companhia alguma para tão ignorada Helen.
Todavia, o que mais me atraiu, é que apesar de Rachel nos causar essa reação, desde começo há uma luta para que a vejamos com outros olhos. Sim, é invasiva e intolerável, mas vejam só, é uma coisa injeitada, pobre, uma grávida sozinha, uma coitada. Mas será que o é? Essa é uma imagem produzida POR Helen, quem cria essa visão piedosa sobre a mulher, quem projeta seus próprios temores, sem que em nenhum momento esta corrobore. Rachel na verdade não é apologética, não autocomisera, é confiante, é protagonista de sua vida.
Este é um livro incrivel, nos lembremos, é um thriller. Não se sabe o que Rachel busca com essa família, não sabemos quais os verdadeiros segredos a serem revelados. Mas mais do que isso, o que brilha é justamente essa construção de personagem profunda e envolvente. É uma leitura para se devorar ansiosamente, com seus capítulos contabilizados em semanas tal qual a gestação é contada e que assim como para as mães, só gera mais ansiedade em ler história, em esperar pelo seu fim.