Diorama

Diorama Carol Bensimon




Resenhas - Diorama


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Ana Sá 22/08/2023

Um romance inteligente e envolvente, na mesma medida
Baseado em um assassinato real ocorrido na década de 1980 em Porto Alegre, "Diorama" aborda o crime não sob o prisma do assassino ou da vítima, mas da filha do acusado de tal tragédia social e íntima. Cecília, filha do deputado Raul Matzenbacher, desenha, entre idas e vindas temporais, o retrato macro e micro de um escândalo que abala não apenas sua cidade, mas sobretudo os pilares de sua família de classe média. A meu ver, um romance policial orientado menos pelo crime em si, e mais pela investigação do que havia e do resta de uma família depois que se aperta(m) gatilho(s).

Brilhantemente executada, a obra traz capítulos que se deslocam da Porto Alegre na qual vivia Cecília aos 9 anos, quando tudo ocorreu, e cidades dos Estados Unidos, país escolhido pela Cecília adulta na tentativa de começar uma nova vida ou de apenas fugir da anterior. Aliás, a geografia do romance e as ambientações são um ponto forte; não só sentimos na pele a ponte aérea Brasil-EUA e a ponte temporal BrasilPassado-BrasilPresente, como nos vemos diante de ecos do velho e bom romance policial nacional à la Rubem Fonseca, que desta vez substitui o protagonismo das ruas cariocas pelos bairros da capital gaúcha.

Sim, a meu ver, ética e estética vivem aqui um casamento perfeito, e também o título e seu derivado (a taxidermia, profissão da Cecília) têm culpa no cartório dos acertos deste livro. "Taxidermista" é o profissional que se dedica a remontar/empalhar animais; "Diorama", por sua vez, é a paisagem/cena que se cria com esses animais, em museus de História Natural, por exemplo. Ouvi em uma entrevista que a autora não é taxidermista e que inicialmente começou a pesquisar sobre essa prática por gosto pessoal, sem ter grandes intenções pro romance. Isso até que (como nós, leitoras) ela notasse que não poderia ter feito uma escolha mais acertada. As metáforas e alegorias sobre morte-vida-encenação que a profissão de Cecília traz pra narrativa são genialmente sutis e sempre interessantes. Aliás, nunca mais verei um animal empalhado da mesma forma!

Eu diria que "Diorama" é mesmo um romance de simbioses, entre o político e o íntimo, entre o histórico e o privado, entre os fatos e a geografia, entre passado e presente. E se dei nota 4,5 ao invés de 5, é só para me registrar um detalhe que incomodou a mim e a uma amiga querida, a respeito da voz narrativa:

O que sabemos sobre o crime vem (i) das memórias pessoais de Cecília, (ii) de uma posterior investigação particular feita por ela e (iii) até mesmo de sua imaginação. Acontece que às vezes esse narrador-personagem se transforma num narrador onisciente de forma abrupta e inexplicada. A meu ver, são bem melhores os trechos em que a narradora deixa marcas, mesmo que singelas ou implícitas, das fontes daquilo que ela nos diz, até porque Bensimon sabe fazer isso muito bem, sem quebra de fluidez (justamente: é uma delícia ir percebendo se Cecília está elocubrando ou reproduzindo coisas que ouvi/viu/descobriu... Daí a minha insatisfação quando esse narrador onisciente surge [e permanece] sem pedir licença!). Portanto, pelo que considero ser um tropeço literário, descontei 0,5 da avaliação de leitura.

Num momento em que sobram romances de prosa poética, Carol Bensimon opta por uma história sóbria, sem aforismos, focada na execução de um projeto literário desprovido de grandes adereços. Fiquei encantada com o modo como ela amarra uma narrativa sócio-histórico-política a uma narrativa de si. A narradora não adota um tom confessional, pois não precisa. Cecília se revela mesmo quando opta por calar o "eu" e focar nos outros e nos fatos. Do Brasil hiperinflacionado da década de 80-90 à "família de bem" e ao armamentismo que perduram até os dias atuais, o interior da protagonista é costurado a tudo que há a seu redor, traçando quadros sensíveis sobre infância, memórias, relações familiares, traumas. Sim, é gostoso ler uma boa prosa poética, mas há dramas e tramas que não carecem de poesia para serem brilhantes e, por sorte, "Diorama" vem nos recordar disso.

Obs. 1: A cereja do bolo é, com certeza, o espaço que uma questão identitária, em específico, vai ganhando no desenrolar do romance, mas optei por não tratar disso na resenha porque foi muito prazeroso ir me dando conta desse elemento aos poucos, então decidi encará-lo como spoiler. Mas deixo aqui minha menção honrosa a mais esse acerto da autora!

Obs. 2: Em certa medida, este é um romance musical e a autora disse numa entrevista que montou uma playlist no Spotify pra quem tiver curiosidade em ouvir as músicas que são citadas nele.
Ana Sá 22/08/2023minha estante
Obs. 3: Um obrigada à Tânia, por ter me apresentado a este livro incrível! ??


Flávia Menezes 23/08/2023minha estante
Que resenha, amiga!! Uma verdadeira análise crítica que merece ser lida antes de conhecer melhor essa história! ??????


Ana Sá 23/08/2023minha estante
Obrigada, Flávia!! ??


livroselabirintos 31/08/2023minha estante
Melhor resenha ???? Muita satisfação em ler seu texto!!! Eu é que tenho que agradecer porque gosto muito mais do livro!!


livroselabirintos 31/08/2023minha estante
Gosto muito mais depois do seu texto!


Marina.Defensor 13/02/2024minha estante
Que resenha ótima! Parabéns!


Daniel 20/02/2024minha estante
Eu amo todas as bandas citadas durante a leitura: The Smiths, The Cure, Depeche Mode, Echo and Thr Bunnymen, Cocteau Twins, Jesus and Mary Chain.... Melhor trilha de livro com certeza!




Marilia 12/05/2023

Surpreendente
Normalmente tenho alguma dificuldade de engatar em livros que ficcionalizam fatos reais, provavelmente porque é algo bastante difícil de acertar. A escolha sobre o que deve ser criado e o que deve ser lembrado deve ser um martírio para o escritor.
Em Diorama, entretanto, Carol Bensimon costurou com maestria artística cada ponto da trama e emprestou ao imaginário coletivo de todo um estado, um desfecho possível.
O livro é muito bem escrito, cativante e capaz de manter o leitor envolvido até a última linha.
Foi uma experiência maravilhosa de leitura, recomendo!
Ana Sá 12/05/2023minha estante
Acabei de ganhar este livro, sua resenha aumentou minha vontade!


Marilia 12/05/2023minha estante
Eu fiquei presa nele, Ana! Espero que goste :)


Ana Sá 13/08/2023minha estante
Marília, acabei de terminar e adorei também!!


Marilia 13/08/2023minha estante
Que legal, Ana! Fico feliz ??




Giovana 04/01/2023

O livro tem duas tramas que no final são uma só. A história do crime e da vida anterior e atual de Cecília.

Muito bem escrito, fluído. História maravilhosa.

Adorei saber o que é um diorama e outros termos de taxidermia.

A história do irmão do Ceci, Vinícius, é muito boa também.

Não esperava esse desenrolar do crime. Achei que seria uma história sobre ciúmes.

Recomendo demais a leitura!
Alê | @alexandrejjr 25/02/2023minha estante
Esse livro deve marcar a maturidade literária da Carol. Quero ver se leio ele em 2024, Gi!


Giovana 26/02/2023minha estante
Vale muito a pena a leitura!




ceciliagarciaal 07/01/2023

[DIORAMA - CAROL BENSIMON]

Você já leu um livro e teve a sensação de que a leitura era parecida com outra atividade? Era um livro, mas tinha a dinâmica de assistir a um filme ou modelar algo com massinha? Pra mim, ler ?Diorama? me fez reviver o prazer de montar um quebra-cabeças.
Na primeira parte, Carol Bensimon entrega as peças das bordas, que dão uma ideia do tipo de paisagem que vamos encontrar montada ao final. Talvez por isso seja a parte um pouco mais lenta do que as demais: ainda estamos tentando entender como todos aqueles pedaços da história familiar conturbada de Cecília Matzenbacher, a narradora. Filha de um homem acusado de um crime que mobilizou a opinião pública e de uma mulher que traz consigo a materialidade do que há de pior no Brasil, ela ?fugiu? da família para um intercâmbio nos EUA e nunca mais voltou. Mas fuga não é alforria e Cecília percebe isso enquanto conta sua história, após o AVC do pai que recoloca sua relação com a família em perspectiva enquanto ela enfrenta uma crise no casamento.
O que vem depois é o momento de montar pedaços da paisagem aos poucos: a família disfuncional e as consequências, uma narradora perdida, o processo duro dela de se encontrar fazendo uma atividade profundamente conectada com sua infância (morro de aflição de taxidermia, mas dei conta de ler sobre a profissão de Cecília numa boa; a prosa habilidosa da Carol consegue não ser grotesca mesmo diante do esfolamento de um leão).
Todos os trechos dentro de cada capítulos ajudam na composição da imagem final. Nada que está ali é descartável e fica a reflexão de que é isso na vida também: somos, como minha xará, uma amálgama da forma que lembramos das coisas que vivemos, das escolhas que fazemos, dos sentimentos diante do que consumimos e das identidades que vamos construindo.
Ao final, o que temos é um quebra-cabeças montado ? e assim como um diorama é uma versão do real, o quebra-cabeças contado por Cecília também não é uma fotografia dos fatos sobre o assassinato possivelmente cometido pelo pai, mas uma montagem de peças que, ao final, nos lembra uma foto, sem sê-la e nos encanta como se fosse a realidade.
Recomendo profundamente a leitura.
Rony 07/01/2023minha estante
??????


barbaramr7 30/01/2023minha estante
que análise linda! obrigada




Paulo 26/08/2023

Espécie de romance de investigação, o ponto inicial e principal é o assassinato do deputado João Carlos Satti em Porto Alegre nos anos oitenta, baseado num caso real ocorrido na mesma década, com apenas alguns poucos anos de diferença. Mas o foco da narrativa não é inteiramente o caso ou a investigação.

Cecília, a protagonista, constrói vagarosamente a trama a partir desse núcleo familiar de classe média alta que entra numa turbulência interminável e irreparável por conta da suspeita desse assassinato que acusa o pai da família. A falta de pressa, de ênfase e de foco de Cecília em investigar, nos apresentar ou descobrir o caso não é só para manter esse mistério instigante ou para ir construindo a investigação com o leitor, até porque a narradora já sabe, mas é porque é, sobretudo, um romance narrativo que quer contar histórias, mais do que apenas um subgênero policial. Sem nenhuma pressa Carol Bensimon vai e volta no tempo em vários períodos de várias vidas, é uma ficção que parece muito autobiografia, não do gênero autoficcional, uma mistura de, como diz a sinopse na contracapa, coming of age com romance policial, mas também com boa dose de romance de estrada (gênero de outro título anterior da autora, Todos Nós Adorávamos Cowboys, um road novel total, mais devagar).

Bensimon aprofunda muito bem os personagens, tanto que, assim como vai sempre construindo novas informações e revelações para o caso Satti, nos deixando até em dúvida mesmo quando o fato está evidente, também sempre traz revelações dos personagens, não necessariamente comprometedoras, mas psicológicas, de personalidade, do seu âmago, e ela faz isso de forma mais intensa, quase que com um carinho especial, com um personagem específico muito próximo de Cecília, a narradora conta, nessa vagarosa linha do tempo que vai e volta bem construída, as autodescobertas desse personagem que vai conhecendo a si mesmo, é um ponto do livro tão interessante quanto a investigação do crime.

A escrita de Bensimon tem uma qualidade criativa que não é profundamente lírica, aqui há ocasionalmente o humor um pouco ácido que me lembro de "Todos Nós Adorávamos Cowboys" (onde ela tira sarro dos conspiracionistas do ET Bilu e Projeto Portal), apenas alguns diálogos de Diorama me pareceram pouco criativos, banais, superficiais, num deles, na resolução fácil de um problema, Cecília também me pareceu muito egoísta e isso não foi enxergado/problematizado assim pela narração, que, como uma literatura decente e madura, mostra os defeitos e "falhas de caráter" de qualquer personagem, incluindo o protagonista. Além disso, sendo eu talvez desnecessariamente detalhista, tive a impressão bastante forte de que, de repente, já tarde na segunda metade do livro uma parte breve da escrita me pareceu apenas um texto literário parcamente descritivo de uma narração pobre, "isso foi assim, aconteceu isso, virou e disse".
O final, bem no final, as positivas escolhas de eventos e resoluções soaram quase forçadas, quase, embora seja uma escolha do autor e essas escolhas façam parte do seu âmago, essas resoluções aqui, e realmente não são muitas nem em tom exagerado, pareceram fácil demais (e, claro, comerciais) considerando todo o tom do livro e o psicológico dos personagens e os redemoinhos repetitivos em que eles viveram toda a vida, mas, bem no fim mesmo, não acaba fácil, resoluto, óbvio nem tão reparador, é mais ou menos como se o fim se equilibrasse desse escorregão quase tosco que ele deu brevemente por querer dar um pouco de reparação aos personagens. Esse incômodo pode ser também porque, como dizemos entre os colegas na livraria onde trabalho, a gente só lê/gosta de coisa pesada, "não sei o que indicar quando pedem algo leve".

Por fim, algo curioso é que Carol Bensimon, uma mulher lésbica, ou pelo menos não heterossexual, não prioriza criar personagens LGBTQIA+ nem tê-los como foco da narrativa, curioso porque é natural que queiramos escrever "sobre isso", mas isso não quer dizer que ela não aborda o "assunto" de forma bastante pungente, pelo contrário, entre outras coisas, ela tenta ilustrar como era um pouco dessas vidas na década de 80, que além do abismo de informações e conquistas entre lá e hoje, foi a década da AIDS, que além do próprio mal que causou, piorou os preconceitos e desinformações contra as sexualidades.
DjiEm 06/09/2023minha estante
O livro tem protagonismo sáfico? Ele está na lista de livros LGBT na amazon e queria confirmar, pois você diz na tua resenha que personagens LGBT+ não são o foco na narrativa, então fiquei na duvida.




Flavio Rocha 15/10/2022

Sobre memórias e dioramas
Carol Bensimon é uma escritora muito talentosa e Diorama se apresenta como uma de suas obras mais consistentes. Ao recriar acontecimentos envolvendo uma figura importante do cenário político porto-alegrense, a narrativa nos apresenta personagens psicologicamente densos e que estão relacionados de alguma forma ao fato histórico. A filha do principal suspeito é uma taxidermista que se muda para os EUA. O lance de gostar de reproduzir cenários transcende para uma análise da própria vida - ela procura dar forma às memórias na tentativa de entender e, quem sabe, perdoar o pai. Cecília, nessa busca, revela dilemas sobre maternidade, sexualidade e política. Um livro imperdível.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 26/11/2022

Carol Bensimon - Diorama
Editora Companhia das Letras - 288 Páginas - Capa de Elisa von Randow - Foto: Smithsonian Institution Archives - Lançamento: 2022.

O mais recente romance de Carol Bensimon, depois do premiado O clube dos jardineiros de fumaça (2017) vencedor do prêmio Jabuti de Melhor Romance e finalista do prêmio São Paulo de Literatura, foi inspirado no assassinato do deputado e radialista José Antonio Daudt, morto com dois tiros de espingarda na cidade de Porto Alegre em 1988, um crime ainda sem solução até hoje. O principal suspeito na época, o também deputado Antônio Carlos Dexheimer Pereira da Silva, era considerado um dos seus melhores amigos. Dexheimer tinha arma de caça e um automóvel semelhante ao visto na cena do crime, supostamente motivado por ciúmes de sua ex-esposa, de quem se separara havia três meses. Em Diorama, Carol Bensimon construiu uma extraordinária adaptação ficcional para esta história e as possíveis consequências na vida dos personagens.

Diorama é uma palavra chave no romance e o significado é apresentado logo na abertura, antes mesmo das epígrafes: "s.m. 4 MUSEOL representação de uma cena, onde objetos, esculturas, animais empalhados etc. inserem-se em um fundo pintado realisticamente. (Houaiss)". Na ficção de Carol Bensimon, Cecília Matzenbacher, narradora do romance, é a filha do deputado acusado de assassinato e trabalha na atualidade nos EUA como taxidermista, uma função conhecida vulgarmente como empalhadora, ela tinha nove anos quando ocorreram os eventos que marcaram a família para sempre. Em uma narrativa não linear, bem construída pela autora, Cecília relembra passagens da sua infância e adolescência, enquanto tenta resolver os impasses da sua vida profissional e sentimental na atualidade.

"Na minha vida adulta, encontrei muito mais caçadores do que gostaria de ter encontrado. Isso aconteceu a partir do momento em que comecei a frequentar as edições bianuais do Campeonato Mundial de Taxidermia, algo que eu precisava fazer se quisesse ter uma carreira na área. Era um evento cheio de caçadores. Os que tinham mais de cinquenta anos haviam aprendido a profissão no curso por correspondência de J. W. Elwood, que anunciara por décadas nas revistas de caça. Os mais jovens haviam esfolado ratos e esquilos e moldado um pedaço de espuma e feito uma cabecinha de gesso e arame de acordo com tutoriais no YouTube. Outros tinham juntado dinheiro para se matricular em formações de quatro semanas em lugares como Kooskia, Idaho, ou Springtown, Texas, e então voltavam para sua cidade natal e abriam uma pequena oficina na garagem de casa, onde atendiam os caçadores da região, montando três cabeças de cervo por dia em manequins de poliuretano comprados on-line. [...] E havia também o pessoal que eu chamava de naturalistas. Eram bem poucos e não tinham um jeito específico de se vestir. Eu queria aprender com eles. De todas as pessoas que atuavam na Taxidermia, eu os considerava os mais obsessivos. Eram movidos pela ideia fixa de recriar a natureza à perfeição. Nisso se diferenciavam dos caçadores, os quais inevitavelmente caíam na tentação de exaltarem a si mesmos através do animal. O que quero dizer é que acontecia com frequência de os caçadores montarem suas taxidermias como se aqueles animais fossem mais imponentes e audaciosos do que de fato eram quando vivos. [...]" (pp. 57-8)

Aos poucos o leitor vai conhecendo os detalhes do assassinato do deputado João Carlos Satti – como é nomeado no livro –, e as possíveis motivações para o crime em um criativo enredo que mistura ficção e realidade. Ao mesmo tempo em que relata o contexto dos anos oitenta, com base em uma detalhada pesquisa histórica, Carol Bensimon aborda também alguns importantes temas atuais, como a nossa responsabilidade pela preservação da natureza e o preconceito recorrente em nossa sociedade quanto as questões de sexualidade e identidade de gênero, tudo isso na prosa veloz e sempre entremeada por referências literárias e musicais, uma característica do estilo da autora.

"Durante o velório e o enterro é que meu pai se descobriria suspeito. Alguns amigos o alertariam. Naquela manhã – o que parecia um pouco estranho –, ele não havia ligado a televisão e o rádio e nem sequer atendido o telefone, mas, antes mesmo de o corpo de João Carlos Satti percorrer o trajeto entre a Assembleia Legislativa e o Cemitério da Santa Casa, sob o aplauso das pessoas que se amontoavam nas calçadas, a polícia já estava encaixando as primeiras peças do caso. Quatro testemunhas tinham visto na cena do crime um Monza cinza-escuro com aerofólio. Paulo Bittencourt, o chefe de gabinete de Satti, descrevera à polícia os sentimentos da minha mãe (intensos, um pouco obsessivos, certamente para além da amizade). Bittencourt, assim como Glória Andrade, também declararia que Satti vira o carro de Raul na frente de sua casa alguns dias antes do crime. / No fim daquele mesmo dia, meu pai foi aos estúdios da Rádio Gaúcha tentar se explicar. Conversou com o jornalista Pedro Martins. Tenho aqui comigo o arquivo digital e a transcrição dessa conversa que acabou sendo usada pela acusação no julgamento porque era vergonhosamente comprometedora. A entrevista em questão se tornaria um pesadelo para Arnaldo de Souza Andrade, futuro advogado do meu pai (Tu nunca deveria ter ido pra frente do microfone naquele estado, Raul). Seu nervosismo era palpável na voz, e as coisas que disse soavam uma mistura de discurso político vazio com a confusão mental de quem sabe que perdeu o controle da situação." (pp. 104-5)

Um livro recomendado porque alterna estilos como: romance policial, histórico e de formação, surpreendendo o leitor com personagens convincentes – destaque para a mãe de Cecília e o irmão Vinícius –, que parecem sempre estar fugindo dos seus próprios traumas, mesmo sabendo que isso é impossível. Entre as recordações da cidade de Porto Alegre nos anos oitenta e o trabalho na atualidade como taxidermista nos museus de história natural dos EUA, Cecília Matzenbacher tenta reconstruir a sua vida, mas o passado vem cobrar o seu preço.

"Jesse quase me acerta no rosto com minhas chaves de casa, do carro e da Norton. O chaveiro metálico da sequoia estilizada bate na parede e despenca. Coloco a mão na bochecha, sentindo o impacto que não aconteceu, depois pego as chaves e as guardo no bolso enquanto Jesse me olha de boca aberta com um pedido de desculpas entalado na garganta. Não dou mais tempo de ele dizer nada. Ele gagueja ao me ver indo na direção da porta e então eu já estou atravessando a rua quando ele finalmente fala: 'Desculpa, eu me descontrolei, Cecília, que coisa horrível, eu... me perdoa, por favor!'. Entro no carro com Jesse em meu encalço e ele me deixa fechar a porta sem resistência porque agora caiu em si. Acelero e começo a chorar assim que vejo Jesse pelo espelho, parado no meio da rua como se eu ainda pudesse mudar de ideia. Amanhã talvez ele pense que o episódio foi a desculpa perfeita para eu fugir, como sempre. Pode ser que ele tenha alguma razão." (p. 177)

Sobre a autora: Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (2009), foi finalista do Jabuti e do prêmio São Paulo de Literatura. Também é autora de Todos nós adorávamos caubóis (2013) e O clube dos jardineiros de fumaça (2017), esse último vencedor do prêmio Jabuti de Melhor Romance e finalista do prêmio São Paulo de Literatura. Os livros de Bensimon foram traduzidos nos Estados Unidos, na França, na Itália, na Espanha e na Argentina. É mestre em escrita criativa pela PUCRS. Vive em Mendocino, na Califórnia.
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MãeLiteratura 26/12/2022

Diferente e muito bom!
Diorama me chamou a atenção começando pelo título, que confesso não sabia do que se tratava. Gosto de títulos curtos e diferentes.
Mergulhei na leitura logo que foi lançada pela Companhia das Letras.
Cecília Matzenbacher é a narradora da trama. É através do seu olhar, das suas impressões e lembranças que o leitor entra em contato com a sua família e com um episódio trágico que vivenciaram.
Como numa novela, vamos acompanhar seu pai e seu colega na política. Eu não conhecia o caso, mas depois da leitura fui pesquisar mais sobre ele. Foi inspirado numa história real de um deputado e radialista morto em Porto Alegre em 1988.
Além das questões familiares, vamos acompanhar seu trabalho como taxidermista restaurando animais em um museu de história natural. Ela vive há anos no exterior, sem voltar ao Brasil. Eu achei esta parte muito diferente e fiquei imaginando os detalhes da sua profissão.
Um livro sobre sentimentos, família, expectativas e desejos. Uma leitura forte e reflexiva.
A escrita da Carol é muito boa! Me manteve curiosa e interessada o tempo todo.
Adorei a capa, revisão impecável. Recomendo!

site: https://www.maeliteratura.com/2022/12/resenha-diorama-carol-bensimon-editora.html
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Rafael2350 12/01/2023

Eu já ensaiava há meses ler um livro da Carol Bensimon, até tomar a atitude e começar a partir dessa obra e, pqp, me arrependo de não ter dado chance a ela antes! Uma escrita na qual a gente se identifica, de certa forma trazendo para gente lembranças sobre a dificuldade de ser uma pessoa LGBTQIAPN+ nos anos 80/90, sempre relacionados a uma vida abjeta. Todo o processo de enfrentamento da protagonista, tanto nas questões presentes, como aos fantasmas do passado me da vontade de acolher a protagonista e em especial ao seu irmão mais velho!
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apksmariarita 28/03/2023

Diorama
A primeira coisa que me chamou atenção foi o título - Diorama. Precisei pesquisar para saber o que era.
Depois a trama me prendeu e não consegui parar de ler.
Me surpreendeu!
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Paty Gazza 29/03/2023

"A colisão dessas duas trajetórias mostraria que o Brasil sempre mudava para, no fundo, continuar exatamente igual."
Nesse livro, aos poucos e de forma fragmentada, Carol monta para o leitor dois dioramas da história de Cecília: o da sua infância, quando seu pai foi acusado de assassinar um deputado amigo, e o da sua vida adulta, exilada nos Estados Unidos e afastada de sua família após tudo o que aconteceu.
O assassinato em questão acontece em 1988, pouco tempo após o fim da ditadura, quando o Brasil retomava, ainda de forma frágil, sua democracia, e os comentários que Cecília faz a respeito desse panorama político são tristemente atuais.
Gostei muito da forma como a autora vai alternando passado e presente, revelando para o leitor pequenas informações aqui e ali, até montarmos a cena completa - e como lá pelos 80% ela dá algumas informações que nos fazem repensar tudo. Fiquei mais presa na infância de Cecília, mas mesmo assim gostaria de ter visto mais sobre sua vida adulta. Aliás, gostaria de ter visto mais sobre tudo - o livro é curto demais para a habilidade que a autora tem com as palavras.
Ela também faz comentários maravilhosos sobre a natureza e como o ser humano se relaciona com ela (Cecília, inclusive, se torna taxidermista na vida adulta). "Não é louco?", eu disse. "Você desequilibra toda a 🤬 #$%!& do planeta, depois se dá a missão de reequilibrar segundo os seus critérios."
E como se precisasse de ainda mais qualidades, Diorama é embalado pelo melhor do rock dos anos 80 ?
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DêlaMartins 01/04/2023

Eu não sabia o que significava diorama até ler resenhas deste livro, antes de lê-lo. Logo no início do livro o significado é apresentado: "s.m. 4 MUSEOL representação de uma cena, onde objetos, esculturas, animais empalhados etc. inserem-se em um fundo pintado realisticamente. (Houaiss)".

A história é ficcional, mas tem como base um assassinato real de um deputado, em Porto Alegre em 1989. O processo todo com fofocas, preconceitos, envolvimento de políticos, até o julgamento que inocenta o suspeito, realmente aconteceram. Até hoje o crime não foi esclarecido.

Tudo é narrado por Cecília Matzenbacher, filha do deputado acusado do assassinato. Ela vive nos EUA há 20 anos e trabalha como taxidermista, uma função conhecida como empalhadora - ela também prepara dioramas. Cecília tinha nove anos quando o ficcional deputado e radialista Satti foi assassinado e seu pai, médico e também deputado, considerado o principal suspeito. Intercalando presente e passado, ela repassa sua infância e adolescência, enquanto lida com sua vida profissional e sentimental na atualidade. A destruição daquela família "perfeita " por conta do assassinato é bastante presente nas lembranças e reflexões da narradora. Seu irmão mais velho, bastante próximo a ela, também faz parte da narrativa e tem um peso alto nas prováveis motivações do crime.

Os detalhes do assassinato do ficcional deputado João Carlos Satti e as possíveis motivações para o crime são revelados aos poucos, numa mistura de ficção e realidade. A autora mostra o contexto do final dos anos 1980 e aborda temas atuais como preservação da natureza, preconceito quanto as questões de sexualidade e identidade de gênero, além da posse de armas permitida para os CACs - o pai de Cecília era caçador e possuía algumas armas.

Quando seu pai sofre um AVC, Cecília se vê sem saída e, embora contrariada, finalmente volta a Porto Alegre revivendo seus fantasmas e temores.

O diorama entra como símbolo de algo morto, que precisa ser reconstruído mantendo o aspecto mais real possível, mesmo morto.

Gostei da forma com que Carol Bensimon escreve, apesar de ter me cansado um pouco no início da leitura.
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Giselle.Marilize 13/04/2024

Não gostei do livro, a leitura foi arrastada, eu não sei se eh porque fui lê-lo com uma expectativa muito alta e me decepcionei, peguei ranço da personagem principal, enfim, tem gostos e desgostos neh. Nem queria fazer a resenha mas como estou participando do desafio de leitura, preciso validar a leitura deste livro.
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Nayana.Colquhoun 18/04/2023

Diorama
Primeiro livro que li da autora, gostei bastante da escrita. Interessante ler um livro nacional, atual, que mistura passado e presente. Além de trazer fatos históricos do Brasil, há a visão pessoal da narradora, que é filha do principal suspeito do assassinato do deputado e sofreu muitas consequencias da história toda desde a infância (quando ocorreu o crime) até a vida adulta.
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Marcia 18/04/2023

Minhas impressões sobre o livro
Diorama é um livro brasileiro de ficção inspirado numa história real, o assassinato de um deputado da capital gaúcha. A protagonista é Cecília Matzenbacher , filha do deputado Raul Matzenbacher, principal suspeiro de ter assassinado outro politico, o deputado João Carlos Satti. Eu não conhecia essa palavra: "diorama"e ja no começo da leitura aprendemos: "diorama é a representação de uma cena, onde objetos, esculturas, animais espalhados, etc inserem-se em um fundo pintado realisticamente "

O livro nos mostrará duas tramas: o período do assassinato, quando Cecília ainda era uma garota de 9 anos e a outra que nos mostra a Cecília ja adulta, morando nos USA trabalhando com diorama. No final conhecendo toda trama percebemos a analogia do diorama com a história da  protagonista: recriar, reviver...

Gostei muito da escrita e dos temas abordados: família, ciúmes, preconceito, crime, investigação, julgamentos de leigos, da sociedade e da polícia, traumas, amor, amizade, drogas, fuga...

O assassinato aconteceu nos anos 80, época de tecnologia precária , de muito preconceitos e bullying.

A brutalidade com que a sociedade discrimina pessoas, rotula, julga e dissemina histórias de forma maldosa é assustador, tudo  sem pensar no sofrimento da família, nos traumas e dores que muitas vezes nao se curam.

Esse livro aborda esses pontos de forma brilhante e nos emociona.

Ao terminar percebemos o quanto temos a refletir e nos empenhar por termos mais empatia, mais amor e compreensão.
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