Marcelo 19/08/2021
Viver por quê?
A visita cruel do tempo reflete sobre a inevitabilidade da vida e da existência humana, por mais difícil que ela se mostre, discutindo sobre como nossas tragetórias moldam quem somos, mesmo que inconscientemente.
O fato é que, por mais imprevisíveis que nossos caminhos sejam, ninguém jamais pode deixar de exercer o autocuidado, seja consigo, seja com o próximo. Mesmo na dor ou na incerteza, a existência continua e nada nem ninguém vai controlar isso.
O livro propõe um grande quebra cabeças, trazendo em cada capítulo recortes de uma trama maior que, ao longo da leitura, vai sendo descortinada. Cada capítulo possui um foco em um personagem diferente (são uma espécie de mini contos) que aos poucos se tornam recorrentes dentro da história, com constantes autorrefêrencias.
Uma mulher de meia idade cleptomaníaca, um ex-astro do rock fracassado, um agente musical em declínio, uma assessora de imprensa confusa, crianças em crise parental... São diversos os pontos de vistas explorados, cujas vozes se alternam entre primeira, terceira e até a incomum segunda pessoa, além de capítulos simulando reportagens jornalísticas e outro contado inteiramente por meio de slides de Power Point.
Isso exige de quem lê uma predisposição à dúvida, ao questionamento, à perguntas sem respostas e, principalmente, ao desprendimento da estrutura tradicional dos romances, já que as características e o desenvolvimento dos personagens vão sendo aprofundandos aos poucos, gerando uma persistente sensação de que algo está incompleto. Na minha opinião, ao terminar o livro, não houve problema algum quanto à isso.
Para além da estrutura, a grande força da obra reside na escrita da autora, que é minuciosa, densa, meticulosa e profunda. Com grandes passagens bonitas e elegantes, ela se mantém sempre no domínio da história, mesmo que às vezes exista a sensação de um aprofundamento excessivo em personagens não tão interessantes, tornando a leitura arrastada em algum momento, comprometendo o ritmo. Mas nada que estrague a experiência.
Não acho que o livro funcione para todos, levando em consideração que não há um grande clímax, mas uma narrativa que, a todo momento, buscar se bastar por si ali mesmo.
Mas a quem gosta de sair da zona de conforto, vale a pena ler. O tempo não vai ser cruel com quem enfrentar Jenifer Egan.