lulsweber 14/07/2023
Necessário, mas muito extenso
O livro é sensacional no que diz respeito às reflexões e críticas a que se propõe. Coloca o leitor realmente dentro da cabeça de alguém cheio de preconceitos, a típica pessoa branca ocidental, que se considera desconstruída, mas reproduz as mesmas violências de conservadores dos quais se considera tão distante.
A questão da "cultura do cancelamento" também é pauta aqui, e é um tópico bastante importante na obra, um medo que atormenta a personagem principal durante toda a obra. Achei interessante a perspectiva que a autora usou, e ela nos causa sentimentos mistos o tempo todo, sugerindo que o cancelamento esteja indo longe demais, mas contrapondo isso com os pensamentos muito babacas da personagem, criando essa dualidade a todo momento.
A personagem é complexa, tridimensional, somos apresentados a todos os seus sentimentos, medos, angústias, aspirações, vemos ela em todo seu orgulho, consumida pela inveja, cegada pelo ego. Em um momento, estamos sentindo repulsa e raiva dela, para, duas páginas depois, nos compadecermos com algum trauma pesado de sua vida. É isso o que faz um ótimo protagonista, na minha opinião: alguém que parece real e nos desperta os mais variados sentimentos, mostrando que nada é preto no branco e que somos todos cheios de área cinzenta, contradições e hipocrisias (o que não quer dizer que ela deixe de ser uma pessoa ruim, que fique claro).
Porém, preciso ressalvar que o livro parece perder um pouco o rumo e o ritmo depois de um tempo. São muitas coisas acontecendo no início, num fluxo mais acelerado, e, depois, tudo vai se arrastando, parece que a história fica dando voltas em si mesma, algumas questões importantes na vida da personagem são abordadas muito superficialmente (as relações dela, a solidão), enquanto outros detalhes monótonos ficam se estendendo.
Apesar de não ter grandes reviravoltas, o final não me decepcionou, mas achei que foi por um caminho um pouco... Novelesco, digamos assim. Para mim, soou irreal acreditar que a personagem se deixaria levar por aquela situação.
Vale a leitura por todas as críticas que são abordadas e por escancarar na nossa cara o quanto microagressões e estereótipos também são formas de perpetração do racismo e da misoginia, mas o livro poderia tranquilamente ter umas 80 páginas a menos para funcionar melhor em termos de ritmo.