Douglas 19/11/2023
Nós nos espalhamos
(Resenha também disponível no meu Instagram literário: @doug_reads)
"A tragédia da vida não é o fato de chegar ao fim. Isto é a dádiva. Sem um fim, não existe nada. Não existe significado. Entende? Um momento não é um momento. Um momento é uma eternidade. Um momento deve significar alguma coisa. Deve ser tudo."
"Nós nos espalhamos" conta a história de Penny, uma ex-artista plástica que vive sozinha em seu apartamento que dividia com o companheiro até ele falecer. Após um acidente doméstico, Penny é enviada para o Six Cedars, uma mansão que serve de lar para idosos, e lá passa a ser assistida em sua rotina. Embora contrariada de início, Penny rapidamente se adapta ao local e cria laços com os outros poucos moradores da casa. Entretanto, situações estranhas começam a acontecer e Penny passa a questionar não apenas o local em que está mas também a própria memória e percepção do mundo e do tempo.
O livro funciona em suas propostas graças ao uso da narração em primeira pessoa, que acaba por ser o grande trunfo do livro. Sob a perspectiva de Penny, Ian Reid brinca com o leitor ao construir uma história que muito se baseia na dúvida. Penny está nos contando tudo que acontece, mas será mesmo que podemos confiar em sua memória? Aliás, será que ela mesma pode confiar no que vê e no que se lembra?
Penny nos conta tudo que ela vê, mas desde muito cedo percebemos acontecimentos e detalhes aqui e ali que colocam em cheque a veracidade de tudo. Esta questão permite que o livro construa uma maravilhosa atmosfera de suspense, que chega a abraçar o sinistro e o inexplicável em alguns momentos. É tudo uma alucinação? Algo ali realmente aconteceu? A memória de Penny está fragilizada ou tem algo mais por trás disso? Ficará ao cargo do leitor interpretar e acreditar naquilo que lhe convencer.
"Nós nos espalhamos" é um livro que faz o leitor refletir sobre assuntos como o etarismo e o envelhecimento. Por termos uma protagonista de idade avançada e ela ser a narradora, vemos de forma direta e crua as inseguranças e dificuldades que o envelhecimento naturalmente traz para o indivíduo. Penny passa por grande parte dessa jornada sozinha. e chega a dar um aperto no coração ao ver sua situação no começo do livro. Da mesma forma, já na casa de repouso Six Cedars, nos sentimos desconfortáveis com a arrogância presente nas atitudes de alguns personagens ao redor dela, achando que, por ela ter uma idosa avançada, precisa ser completamente assistida e controlada.
Quando você acha que entendeu o ponto em que o livro vai chegar, uma grande reviravolta ocorre e o leitor fica a ver navios, pois desse momento até o final, tudo é jogado para o alto em meio ao caos de acontecimentos. Ao concluir a última linha do livro, o leitor precisará olhar para trás e refletir sobre toda a jornada de Penny a fim de dar sentido ao desfecho da história. Não se surpreenda caso você diga em voz alta que precisa pensar um pouco sobre o que acabou de ler.