rekizone 27/07/2023
Uma palavra, muitos sentimentos: Meh.
Fourth Wing é um livro que, desde o seu primeiro parágrafo, não me deixou muito ansiosa por mais. A escrita de Rebecca Yarros é simplista, juvenil até demais, e eu sentia como se a leitura se empobrecesse toda vez que um de seus personagens abria a boca. A língua inglesa possui tantos vocábulos diferentes que podem ser usados para transmitir sentimentos diversos aos seus leitores, mas no final do dia a autora insistia em fazer seus personagens falarem como atores de uma série adolescente da CW.
Leia o cômodo, Rebecca. Talvez eu não esteja sendo justa ao traçar esse tipo de comparação, mas Suzanne Collins conseguiu descrever cenas absolutamente devastadoras e gráficas em Jogos Vorazes sem que seus personagens (em sua grande maioria adolescentes e pré-adolescentes) precisassem falar como se tivessem uma conta no TikTok.
Enfim. Prosseguindo. Vamos falar um pouco de sua personagem principal: Violet Sorrengail. Violet, embora o livro não diga explicitamente com todas as letras, é uma garota com síndrome de Ehlers-Danlos, uma condição degenerativa que afeta os tecidos conjuntivos do corpo humano, o que resulta em hipermobilidade, dor nas articulações, ossos quebradiços e cabelos grisalhos prematuramente. Nesse ponto, li diversas resenhas de pessoas com deficiência que elogiaram a autora por ter descrito sua personagem de maneira tão realista e que serviu como uma ótima representatividade, de modo que não tenho no que me demorar nesse quesito em particular.
É ótimo vermos uma maior representação de pessoas com deficiência nas mídias e conteúdos que consumimos, em especial quando não é tratado como um "empecilho" que é milagrosamente curado por algum tipo de poder mágico — um modo extremamente capacitista de escrever quem é PcD, pois deixa implícito que uma pessoa com deficiência não pode assumir o manto de herói a não ser que seja "curada".
Sobre todo o resto de Violet, no entanto... eu sinto como se fosse um potencial perdido. Diversos aspectos que poderiam ter sido explorados (como o relacionamento com sua mãe, por exemplo) foram deixados de lado em razão de um romance monótono que me foi vendido com a premissa de ser um "enemies to lovers" (que, inclusive, não foi). Violet, apesar de ter mais de dezoito anos, comporta-se como se tivesse 13. Na maior parte do livro, eu estava querendo sacudi-la pelos ombros e implorar para que tivesse um pouquinho mais de amor próprio e orgulho. Na outra parte, eu estava cansada de suas atitudes e sem paciência para fazer outra coisa que não fosse grunhir de irritação.
Violet é, para mim, uma versão repaginada da Tris, de Divergente. E isso deveria ser o suficiente para deixar claro o quanto desgostei dela.
Xaden Riorson, o nosso outro protagonista, é... ok, eu acho. O típico arquétipo do bad boy perseguido pelos fantasmas do seu passado e cuja trilha sonora de sua vida provavelmente seria algum álbum do My Chemical Romance. A primeira vez que ele sequer é mencionado na história é para soltarem a típica frase clichê de que a Violet não deve chegar perto dele, pois ele é perigoso e más notícias (o que me fez revirar os olhos dolorosamente, pois nunca na história da literatura essa frase foi usada antes para realmente indicar alguém que era perigoso). Xaden é outro personagem que tinha potencial, mas... meh. Ele só serviu para mim para ficar no canto da página sendo descrito como bonito.
Todos os outros personagens pareceram extremamente unidimensionais e presos em suas caixinhas exceto por um, mas eu não vou falar sobre ele porque ainda estou lambendo minhas feridas sobre um certo acontecimento no livro.
Já sobre o relacionamento dos personagens, bem, por onde começar? Era apenas previsível que algo fosse acontecer entre Xaden e Violet, até porque a autora gostava de nos lembrar do quanto Xaden tinha um corpo esculpido e lindos olhos a cada duas páginas. Contudo, não consegui entender de onde veio o amor avassalador que repentinamente germinou entre eles, em especial por parte do Xaden. Eu compreendo perfeitamente atração sexual e o sentimento de se sentir atraído por outra pessoa, mas Amor (com A maiúsculo e tudo mais) foi um sentimento forte demais para ser jogado na minha cara sem um aviso prévio (...ou uma melhor construção do relacionamento).
Talvez eu apenas seja uma grande cética, mas o modo como Xaden mudou drasticamente no final do livro ao ponto de praticamente não conseguir mais viver sem a Violet e estar agindo como se fossem Romeu e Julieta montados em dragões não foi algo muito crível para mim. Eu provavelmente teria comprado mais essa ideia se tivesse visto indícios, durante a leitura, de que seus sentimentos eram assim tão fortes, mas do modo como tudo foi desenvolvido (ou melhor, NÃO FOI desenvolvido) pareceu mais uma mudança abrupta e insípida para deixar os leitores ávidos pelo próximo livro.
E, sério, autores, nem todo livro precisa ter uma grande declaração amorosa logo no primeiro volume. Vocês têm todo o tempo do mundo para desenvolverem o relacionamento de seus personagens sem precisar apelar para o drama e finais permeados por suspense; eu sugiro que usem isso e confiem em seus leitores. Paixões explosivas e intensas são ótimas, mas o crescimento paulatino de sentimentos que de pouco em pouco sufocam seus personagens até que estes inevitavelmente não vejam outra alternativa senão despejar tudo que estão sentindo é tão bom quanto.
Em Fourth Wing, apesar do livro ser grande, os protagonistas são jogados juntos de novo e de novo em uma evidente tentativa por parte da autora de convencê-lo que deve shippá-los, como uma criança teimosa que bate a cabeça de suas bonecas para que se beijem. A cena +18 é boa, mas nada muito excelente ou inovador. A "tensão sexual" entre os dois é vergonhosa e o livro inteiro conta com diálogos que me faziam querer correr na direção contrária por pura vergonha alheia (exemplo: “Glad to see our year apart hasn’t dulled your tongue, Vi.” “Oh,” I toss over my shoulder as we walk into the hallway, “I can do quite a few things with my tongue. You’d be impressed.”).
E nem sequer me peçam para falar sobre o apelido "Violence". Eu tenho estresse pós-traumático só de me lembrar disso.
Ademais, preciso fazer uma (outra) reclamação: o que aconteceu com a trope de "enemies to lovers" ultimamente? Um simples franzir de sobrancelhas e alguns comentários mal-humorados são suficientes para classificar duas pessoas como inimigas? Céus. Isso no máximo é não ir com a cara de alguém, convenhamos. Me chamem quando você tiver duas pessoas que realmente se desprezam e que ao menos já fizeram a cortesia de tentar colocar uma faca na garganta do outro sem pensar duas vezes, por favor.
Por fim, gostaria de fazer uma unidade de comentário positivo sobre Fourth Wing ao dizer que sua única parte boa foram os dragões. Ah, como eu amei cada pequena parte em que eles apareceram! Os diálogos, a troca de farpas com seus cavaleiros, a presença imponente e poderosa... tudo era realmente delicioso de ler. Uma pena mesmo que eles demorem quase que a metade inteira do livro para aparecerem, e a essa altura você já está tão desacreditado com o enredo que quase não faz nenhuma diferença.