Helder 25/05/2024Sentimentos divergentesMais um livro bonito desta autora, que consegue criar histórias e emoções a partir de fatos que às vezes até parecem simplórios.
Quando tinha 10 anos, Annie ouviu sua mãe contando para uma mulher bem-vestida do lado de fora do estabelecimento onde trabalhava, que ela tinha perdido uma filha. E que esta filha era supertranquila, uma santa, bem diferente da pequena Annie, a encapetada.
Ao ler isso, voltei ao meu passado, onde um dia estava numa festa e também ouvi minha mãe dizendo que tinha tido um aborto antes de eu nascer.
No momento eu só pensava: Mas porque ela nunca me falou isso? Por que comenta com os outros e não fala para mim? Eu tinha o direito de saber que perdera um irmão. Porém, no momento não tive coragem de interrogá-la sobre isso, pois me pareceu um assunto tabu, e no fim, não me lembro quando realmente conversei com minha mãe sobre isso.
Mas aqui em a Outra Filha, o caso é um pouco diferente, pois os pais da autora não perderam um bebê, mas sim uma criança que já tinha 6 anos e já estava apta para estar na escola, e ouvir isso sem querer, deixou Annie com diversos sentimentos divergentes.
O que fazer com aquela irmã que, diferente do pessoal do bairro, aparentemente só ela não conheceu? E por que sua mãe preferiu contar isso para um estranho e nunca tinha comentado com ela? E se esta irmã tivesse sobrevivido, seus pais teriam tido capacidade financeira e vontade de ter mais uma filha, ou seja, Annie teria nascido após esta criança?
E é cima destas perguntas que a autora criou um texto curto, mas, como sempre, extremamente profundo.
As vezes Annie tem raiva desta irmã e de seus pais. As vezes ela tem compaixão.
E o fim, me parece que para os pais da autora, este foi um assunto tão pesado, que eles nunca foram capazes de conversar com ela sobre isso.
Cada um sabe a o peso das dores que carrega, e Annie Ernaux, mais uma vez coloca a gente para pensar sobre a vida, sem julgamentos.
Separe um tempinho para este livrinho pequeno, porém cheio de sentimento.