Luany 31/05/2023
O não-mór
O meu motivador principal da escolha da leitura foi a questão das relações parentais, na contracapa do livro vem a famosa frase de Heráclito de Éfeso de que nenhum homem pode se banhar duas vezes no mesmo rio, e essa frase foi o fio condutor da história que justifica porque um filho tem personalidade e tratamento tão diferente do outro. No contexto anterior, a autora traz que, os mesmos filhos criados pelos mesmos pais, nas mesma condições, as relações são diferentes entre cada filho e cada pai, pois os pais estão em momentos diferentes de vida a cada chegada de filho, por isso cada filho é tão diferente do outro mesmo sendo criado nas mesma condições financeiras, bairro, educação, por exemplo. Sempre me questionei isso? Como pode, eu e meu irmão sermos tão diferentes morando na mesma casa, bairro, a vida inteira, ido pra mesma escola, sendo criados pelos mesmos pais, nas mesmas condições financeiras? O rio (pais) é diferente para cada filho. E depois de refletir isso, parece até óbvio mesmo, e tentar reduzir meus pais a uma única figura imutável de parentalidade universal por toda vida é até ofensivo a eles. Talvez esse tenha sido meu maior engano, e o que demorei mais tempo perceber.
Entender questões de relações parentais é muito sobre entender limites (ou falta deles, no caso). Existe um lugar de santificação e gratidão acima de tudo pela figura dos pais de forma compulsória por todo cuidado e dedicação por te manter vivo, mas se em algum momento não existir uma desvinculação da figura de filho-pais, vira uma corrente eterna aos quereres e expectativas (que nunca vão ser alcançadas) dos pais, em uma tentativa vã de simplesmente retribuir todo sacrifício feito pela criação desempenhada, em busca de ganhar uma estrela dourada invisível até a morte. Até se ter consciência de que seus pais estão entrando em lugares que não deveriam entrar mais na sua vida por uma promessa invisível de gratidão e dedicação, são anos de relação sem entender o porque da necessidade de gerar orgulho ou provar algo, e muito disso para manter um ideário infantil do que falaram que você era, sendo que essa pessoa normalmente nem existe mais, ou nunca existiu. O limite vem aí para possibilitar que essa relação exista em uma configuração sem culpa ou simplesmente o livramento quando o limite é o próprio rompimento de convívio, que é o que acontece no livro.
Então, veio o estalo o que eu não esperava desse livro. Esses limites parentais quando postos não interferem só a qualidade do seu almoço de domingo ou da ceia de natal. Interferem em todos os outros relacionamentos da sua vida. Nos românticos, de amizade, profissionais. É o não-mór. Saber dizer não aos pais, dar limites aos pais é o primeiro limite para todo restante. Um exemplo: você não consegue ser pai se ainda for filho, se sua mãe invade sua casa, sua família, como você vai ser pai na nova família se ainda é filho da sua mãe? como a falta de limite com sua mãe vai atravessar seu relacionamento? Sua esposa vai se sentir invadida? Sim. Como isso vai abalar seu relacionamento? E vice-versa também.
Outro ponto muito especial do livro, é que gera muita sensação de identificação, você acaba se identificando um pouco com cada personagem. Tem um pouco de Rita e de Marília em mim. Talvez até de Lucas lá no fundo. Cresci muito com esse livro, vou indicar para todo mundo. Não concordo com uma única coisa, mas não vou falar para não dar spoiler. Ah, poderia virar filme.