Luis 25/10/2015
Rio Grande, Rio Imenso.
Érico Veríssimo é subestimado. Nunca entendi muito bem o motivo. Qualquer estudante secundário, dos muitos que hoje estão envolvidos no ENEM, tem no mínimo uma noção das obras de José de Alencar, Machado e Jorge Amado, autores praticamente obrigatórios no currículo das escolas, mas, o que dizer do velho escriba gaúcho ? Sem favor nenhum, tão importante quanto os demais citados, porém bem menos incensado.
O primeiro tomo de “O Retrato” (Companhia das Letras,2004) inaugura a segunda parte da maior saga da literatura brasileira : A trilogia “O Tempo e o Vento”, composta ainda por “O Continente “ (primeira parte, em dois volumes) e “O Arquipélago” (capítulo final, publicado em três livros).
A história aqui é retomada a partir de trajetória do personagem Rodrigo Terra Cambará, filho de Licurgo e bisneto do famoso Capitão Rodrigo, um dos protagonistas de “O Continente”, que, inclusive, propiciou a publicação de um volume em separado com o longo trecho extraído da obra original, “Um Certo Capitão Rodrigo”. De um modo geral, sempre que se remete à obra, as atenções recaem quase que exclusivamente sobre a parte inicial, sendo que mesmos as adaptações cinematográficas ou televisivas privilegiam esse aspecto, outro fator que pode ter levado ao efeito colateral de ter eclipsado as narrativas posteriores da trilogia. Uma pena.
A ação, que na primeira parte é centrada nas lutas gaúchas do século XIX, agora avança até 1910 (após uma breve introdução até 1945, descortinando um flash sobre o futuro da trama, melhor explorado nos volumes seguintes) flagrando a divisão política da pequena Santa Fé, fragmentada entre os partidários da candidatura Hermes da Fonseca e os civilistas, que apoiavam Rui Barbosa. Rodrigo, médico recém formado na capital, volta para sua cidade natal a fim de se estabelecer como figura de proa na sociedade local. Para isso, além de montar farmácia e consultório, funda um jornal para fazer oposição aos poderosos da cidade, ferrenhos hermistas. Rodrigo simboliza a transição entre a espontaneidade ruralista, com os instintos do homem amalgamado à natureza, e a racionalidade urbana, supostamente civilizada, expressa pelo estofo cultural adquirido pelo personagem em sua longa estada fora de casa. As contradições e convergências entre essas duas vertentes, o tempo todo pontuam as atitudes do jovem médico e são, sem sombra de dúvida, o grande trunfo do romance.
Esse é o mote para que Veríssimo siga na construção da gigantesca catedral bibliográfica que levou cerca de quinze anos para erguer.
Talvez, o amplo painel da história Rio Grandense assuste aos leitores menos dispostos, afeitos à onda light da arte (?) mais facilmente digerível. Pode não ser o único, mas provavelmente é um dos principais motivos para o relativo esquecimento a que Érico Veríssimo é relegado.
No próximo dia 28 de novembro, completam-se 40 anos da morte do escritor. Uma efemeridade que, embora não venha sendo lembrada pela imprensa ou pela academia, poderia ser o marco zero para uma justa revalorização de uma obra fundamental tanto literária quanto historicamente, resistente ao tempo e aos ventos da modernidade.