Mariana - @escreve.mariana 20/04/2015Uma cicatriz significa: 'Eu sobrevivi.'Perturbadora. Se fosse preciso descrever essa obra com apenas uma palavra, seria esta. Pequena Abelha é um livro que permanece para sempre na memória de quem lê e que é impossível passar despercebido. Com isso, quero dizer que não é um livro para passar o tempo, mas sim um que vai fazer você refletir por muitos dias após a leitura e querer recomendá-lo a cada amigo seu, porque definitivamente todos precisam conhecer essa história.
''Se seu rosto está inchado pelas duras pancadas da vida, sorria e finja ser um homem gordo.'' Provérbio nigeriano (pág. 7)
Logo na primeira página é apresentado esse provérbio, que implicitamente é a principal filosofia de uma das protagonistas, Abelhinha. Ela é uma menina de 16 anos cuja aldeia na Nigéria foi invadida por europeus para a extração de petróleo. Com isso, ela foi testemunha ocular de muitas mortes, inclusive da de sua família, tanto com propósito de exploração dos recursos naturais do local quanto devido a doenças infecciosas trazidas pelos soldados europeus.
Abelinha foi mantida em um centro de detenção de imigrantes no Reino Unido durante dois anos, como uma forma de asilo político. Nesse centro, dizia-se que, para sobreviver, era preciso ter boa aparência ou saber falar direito. Ela decidiu que falar direito seria a opção mais segura. Portanto, quando é libertada do lugar por um acaso bem oportuno, começamos a conhecer melhor nossa protagonista. Suas falas, quase sempre se lembrando das meninas de sua aldeia, são repletas de nostalgia e seguidas por uma pontada de dor.
''Temos de ver todas as cicatrizes como algo belo. Combinado? Este vai ser nosso segredo. Porque, acredite em mim, uma cicatriz não se forma num morto. Uma cicatriz significa: 'Eu sobrevivi.''' (pág. 17)
É a partir desse pensamento de Abelhinha que podemos introduzir a outra protagonista, Sarah. Como nos é apresentado na sinopse, Pequena Abelha é a história de duas mulheres cujas vidas se chocam num dia fatídico. De fato, esse dia é o ápice da obra, no qual uma delas precisou tomar uma decisão terrível. Esse é um dos motivos que levam o livro a ser inesquecível. Talvez pareça confuso, mas realmente dar mais informações do que isso sobre a conexão das duas protagonistas poderia estragar a experiência do leitor. O encanto está, sobretudo, na maneira como a história é contada.
A narrativa é feita em capítulos alternados entre as protagonistas Abelhinha e Sarah, todos em primeira pessoa. Dessa forma, é apresentada a história das duas, do passado para o presente, até que em um momento do livro essas histórias se encontram. São personagens antagônicas, Abelhinha não possui nada, nem família ou mesmo documentos, sabe apenas o próprio nome; e Sarah possui tudo, um ótimo emprego como editora de sua própria revista, dinheiro, um marido e um filho.
A reflexão que esse contraste entre as personagens traz é: quanto damos da nossa vida confortável para as pessoas que não têm o mesmo que nós? É, sobretudo, uma história sobre compaixão, contada com maestria por Chris Cleave, cuja narrativa comovente transborda uma sensibilidade ímpar.
Ao final, é impossível não se sentir incomodado com a realidade de muitas pessoas que ainda são vítimas daquilo que marcou a vida de Abelhinha e ainda estão sofrendo, perdendo seus familiares e morrendo, apenas por conta da ambição do homem.
''Esse é o problema da felicidade – ela é toda construída em cima de alguma coisa que os homens querem.'' (pág. 85)
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