jota 11/10/2023Um clássico moderno ao mesmo tempo violento e capaz de provocar reflexões sobre a vida em grupoCrianças podem ser tão cruéis quanto adultos, ser violentas ao extremo e mesmo praticar crimes, pensando que não, como ocorre com alguns garotos de Senhor das Moscas (1954), quando regras de conduta e civilidade deixam de ser seguidas pelos indivíduos. Aqui eles são vítimas de um acidente aéreo (em que curiosamente nenhum menino morre ou sai ferido) e, encontrando-se numa ilha desabitada, têm de se organizar como grupo para sobreviver e ser encontrados.
Eles são ingleses; a história se passa durante a Segunda Guerra Mundial, uma época de violência, elemento que aos poucos Golding vai introduzindo também no paraíso tropical que passaram a habitar. Dentre vários personagens destacam-se três principais: Ralph, Porquinho e Jack. O primeiro se torna chefe do grupo por ser carismático; Porquinho, que usa óculos, parece ser o mais inteligente de todos ali; Jack se impõe pela força (que depois de transforma em violência) e consegue praticamente anular a liderança de Ralph com o correr dos dias. Ralph e Porquinho querem manter uma fogueira acesa durante o dia, produzindo fumaça na esperança de que algum navio passando pela ilha veja o sinal e todos se salvem.
Jack desenvolve seu lado predador, quer continuamente caçar os porcos que vivem na ilha e consegue o apoio de grande parte dos meninos. Rouba os óculos de Porquinho e o fogo da fogueira de Ralph; ele e seu grupo se pintam como guerreiros, causam incêndios na floresta e promove uma carnificina: dois meninos, em tempos diferentes, acabarão morrendo por conta de suas ações desmedidas. Jack é o tipo de personagem que o leitor quer ver severamente castigado no final ou mesmo eliminado da trama, mas sem ele o livro perderia um tanto de nosso interesse. Por outro lado, sua violência e a do grupo que comanda, também acabam nos cansando um bocado. Daí o que interessa mesmo é saber se os bons e os selvagens serão ou não salvos um dia.
Estou apenas relatando o que se passou comigo, porque muita gente boa já escreveu que o livro de Golding é um clássico moderno, uma obra-prima, um dos melhores livros do século XX etc. A editora Objetiva diz que além de contar uma história eletrizante, (durante alguns capítulos não dá mesmo para largar o livro) ele é “ao mesmo tempo uma reflexão sobre a natureza do mal e a tênue linha entre o poder e a violência desmedida.” OK, pode ser. O grande E. M. Forster (de Howards End, Maurice, Passagem para a Índia etc.) registrou que Senhor das Moscas foi “Escrito de forma maravilhosa”, que o livro seria “trágico e provocativo”, o que de fato ele é mesmo. Mas a revista Time exagerou ao cravar que este é “O mais influente romance (...) desde O Apanhador no Campo de Centeio, de Salinger”, e com isso não dá para concordar plenamente, não é mesmo?
Lido entre 06 e 11 de outubro de 2023.