gabriel 04/04/2021
Singelo e emocionante
Este livro me surpreendeu muito, pois não faz parte do tipo de livro que eu geralmente leio. Nem em mil anos, se vejo na livraria, compraria um livro desses. No entanto, foi uma grata surpresa, é um livrinho muito bem escrito, com detalhes muito interessantes e aprofundamentos que a gente não espera.
O tema principal, que é o sofrimento de uma menina que perdeu a mãe, é tratado de maneira delicada, respeitosa e sem grandes dramas. É um tema um pouco apelativo (só um pouco), pois você se vê manipulado emocionalmente, é muito fácil chegar às lágrimas em uma história que trata de uma criança que perdeu a mãe. Mas acho que a autora soube conduzir o assunto sem que isso decaísse em um dramalhão mexicano constrangedor e chato.
Tudo é narrado do ponto de vista de uma criança, e acho que aqui está o grande ponto forte do livro. Faz a gente lembrar - e lembrar mesmo, pois a gente já esqueceu - como é ser uma criança, como é ver tudo pelos olhos dela. A gente veste a pele de Molly (a garotinha protagonista do livro) e é tudo muito imersivo, por algumas horas a gente vira a própria e até esquece da nossa vida. É uma experiência emocional muito profunda.
A autora parece entender muito bem a mente de uma criança, capta todos os detalhes e todos os pontos de vista de uma, de uma maneira singela, agradável e intensa. A "magia" do olhar da criança, o medo, a introspecção, estão tudo aqui. Os adultos são estranhos, uns aliens que não entendem a graça das coisas, distantes e preocupados com coisas chatas. Mas também afetuosos, frágeis, problemáticos... a irmã mais velha é um pequeno monstrengo, que só maltrata ela, e assim por diante.
Tudo é, no entanto, filtrado pelo olhar da autora, que cuidadosamente (sem ser pedagógica demais) dá pistas para entendermos estes comportamentos. A irmã mais velha é agressiva, quase que uma "punkzinha", mas é a maneira que ela, na etapa da vida em que está (subentende-se, pelo roteiro, que ela está numa pré-adolescência, ainda que isso não fica explícito) encara os grandes problemas familiares que tem. A tensão na família vai se resolvendo de maneira natural e bela, devagarzinho vamos vendo como a situação evolui e a menina reencontra a felicidade após a perda da mãe.
Tudo é envelopado por um belo mito envolvendo árvores e magia, o inverno, o verão e as demais estações do ano. Muito belo mesmo, às vezes a história resvala na pieguice, mas isso não chega a ser um grande problema.
Trata-se de um belo livrinho, narrado em primeira pessoa por uma criança pequena, com bom desenvolvimento dos demais personagens (todos eles, tanto familiares como amigos da criança, são muito bem desenvolvidos, de maneira natural ao longo do texto), com um certo toque místico/mágico muito agradável. Os parágrafos e capítulos são bem curtos e a leitura é extremamente fácil, mas de altíssima qualidade.
Fico impressionado como uma história simples dessas consegue ter tantos detalhes interessantes por trás dessa aparência de simplicidade, podendo ser considerada uma obra complexa. A autora, que acreditava ser uma senhora de idade, é na verdade uma jovem, o que me impressionou bastante, por conta da maturidade da obra.
Um livro que talvez possa ser classificado como literatura infantil, podendo tranquilamente ser lido por uma criança, mas que agrada também a uma leitura mais adulta. Além das qualidades mencionadas, impressiona por nos relembrar como é pensar e sentir como uma criança, o que a vida nos faz o favor de apagar e esquecer.
Realmente uma ótima leitura, não poderia recomendá-la mais. Tem obras que são difíceis por serem "mais que a gente", como a obra de alguns filósofos e autores, sendo assim exigentes e que requerem atenção. Aqui é mais o oposto, em certo sentido a obra é "menos que a gente", faz a gente se abaixar ao nível da criança, o que é igualmente (ou mais) exigente. Neste sentido, é também uma leitura desafiante.