Mateus295 10/01/2019
"Ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro"
"[...] Ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro".
Ano passado comecei a pensar mais atentamente às questões raciais como um processo de autodescoberta, de ir atrás de me encontrar e me identificar. O que neste livro eu entendo como quebrar as interiorizações do Ideal de Ego, pautado na valorização de valores brancos, e buscar uma ressignificação nova e coerente com o corpo negro. Desta forma, me estimulei a cumprir uma meta de ler ao menos um livro por mês sobre questões raciais, "Tornar-se negro" foi o primeiro.
O livro trata-se de uma pesquisa pensada por Neusa Santos em que ela alia o reconhecimento da identidade negra com a ascensão social no Brasil. Antes de tudo, ela demonstra como é difícil os negros se identificarem como negros, quando o Ego Ideal faz com que eles neguem todos seus valores e atitudes para aderir conceitos perpetuados por brancos. Isso porque, só dessa forma eles conseguiriam ascender socialmente. Para ser um negro bem-sucedido na fase pós-abolicionista você teria que continuar perpetuando o comportamento dócil, submisso, sereno que eram colocados para os escravos.
Muitas ideias são postas ao longo do livro que nos fazem refletir como o negro é totalmente esvaziado e posto para reafirmar hábitos de brancos ou incentivados a fazerem melhor para serem "aceitos" na sociedade. É usado até o termo de perder a cor, quando um negro passa a ascender. Mas esse processo vai muito além quando os negros começam a negar seu corpo, e aí surge o mito negro com discursos como: "beiço grosso", "nariz chato e grosso", "cabelo ruim", "bundão", "primitivismo", "potência sexual", e por aí vai. O que gera os esforços para enganar esses traços exteriores, como afilar o nariz e alisar o cabelo.
"Alguns estereótipos que constituem a mitologia negra adquirem, a nível do discurso, uma significação aparentemente positiva. O "privilégio da sensibilidade" que se materializa na musicalidade e ritmicidade do negro, a singular resistência física e extraordinária potência e desempenho sexuais, são atributos que revelam um falso reconhecimento de uma suposta superioridade negra. Todos estes "dons" estão associados à "irracionalidade" e "primitivismo" do negro em oposição à "racionalidade" e "refinamento" do branco".
O livro é permeado por falas que a autora conseguiu de 10 jovens negros em ascensão no Brasil. Essas falas tomam maior forma no final do livro, parte em que suas falas são separadas em temas privilegiados: representações de si (definições, fantasias e estereótipos sexuais, representação do corpo, o mulato), das estratégias de ascensão (ser o melhor, aceitar a mistificação [perder a cor, negar as tradições negras e não falar no assunto]) e do preço da ascensão.
"Tornar-se Negro" é um livro introdutório muito importante para quem quer começar a entender como a questão racial impacta os negros e como o racismo está nas entrelinhas, não apenas nas atitudes externas como em atitudes próprias do negro. Acredito que o livro tenta explanar como a identidade negra foi perdida pela assimilação dos valores brancos como sinônimo de certo a se fazer para dar certo na vida, mas ao mesmo tempo estimula que isso seja mudado, que encontremos o nosso verdadeiro Ideal de Ego. Leitura importantíssima.