Ricardo Rocha 31/03/2011
o que vemos das estrelas
O bater de asas duma borboleta em Pequim pode modificar o clima em Nova York. Esse é o conceito por detrás desses quadrinhos. Mas, muito mais que efeito borboleta, Watchmen trata de praticamente todos os assuntos do mundo atual. Sua grande virtude (e seu defeito, para quem não se adaptar a tamanha novidade) é que faz tudo isso numa história em quadrinhos. Cita Nietzche e Dylan nos títulos dos volumes e eleva a graphic novel a uma nova era. Em alguns momentos é tão realista que chega a ser repulsiva, mas também alcança momentos sublimes.
Os textos dos livros autobiográficos de super-heróis, artigos de “estudiosos”, fichas etc. foi um achado para explicar muito do que apenas com os quadrinhos seria quase impossível sem sobrecarregar a trama para além dos doze volumes predeterminados. Watchmen é ainda quadrinhos e seus leitores, ainda que os adultos também começassem a se interessar, eram a princípio os mesmos leitores de outros quadrinhos. Pensando bem, seria interessante colocar tudo em banda desenhada, mas a opção foi por esses textos adicionais. Legítima.
Se você sentir que os EUA são o centro do mundo – para bem e para mal, é verdade – terá sentido o que de fato transparece na obra. Isso incomoda (e talvez nem só os não-americanos), mas nem chega a ser defeito, de tal sorte essa suposição se cristalizou na realidade já não de hoje globalizada.
Quanto a cenas soltas, tomando cuidado com o spoiler, a que mais comove é o super-herói em Marte. Em 6 quadrinhos se fala do Tempo, do Amor, do cansaço, da Luz e das estrelas – da ilusão. No último, ao soltar a fotografia da mulher, que tinha nas mãos, ele pensa: “Só o que vemos das estrelas são suas velhas fotografias”. A partir daí, os flash-back são construídos com a maestria de um bom romancista. Outra passagem magnífica é a de Kovacs diante do teste psicológico, evocando a mãe. Enfim, o último quadrinho é um primor literário e cinematográfico. Quem diria, as histórias em quadrinhos...