julia 30/04/2020Eu lembro de ler esse livro quando eu era criança, devia ter por volta de uns 10 anos, e ficar muito triste de ter terminado. Quando eu resolvi fazer uma sessão nostalgia escolhi fazer essa releitura, porque deduzi que eu tinha ficado triste por ter gostado demais da história, coisa que acontece comigo até hoje. Quando eu amo um livro, me dói terminá-lo. Achei que era essa a minha lembrança: amar tanto uma história a ponto de nunca querer que ela tenha fim.
Agora, 15 anos depois, eu tive a minha sessão nostalgia e bem. Não é que seja um livro ruim (pra muita gente duas estrelas não é uma boa avaliação, mas para mim sempre foi uma leitura que cumpriu seu papel sem grandes êxitos). Mas vamos dizer que, aos poucos, eu fui me lembrando que a minha tristeza ao terminar o livro pela primeira vez era mais frustração do que qualquer outra coisa.
Eu realmente gostei dos primeiros dois terços, foi o que eu me lembro vividamente de ter lido e me apaixonado. A atmosfera de Veneza tem um quê mágico, mesmo que a história só se torne uma fantasia lá para o final. O Victor é um adulto ótimo e a Ida também. O Próspero e o Scipio são, de longe, os melhores personagens infantis. A tradução é muito boa, a mistura do italiano no texto também e me fez ficar pensando em como funcionou no original em alemão. Eu me lembro vividamente de consultar o dicionário no início do livro durante a minha primeira leitura e eu acho que esse tipo de coisa me ajudou muito a me imergir de verdade naquela história. Por isso foi um livro que me marcou: bons personagens, boa atmosfera, boa premissa. A demora em aparecer o elemento fantástico não me incomodou em nenhum momento. Inclusive eu suspeito que esse livro tenha colaborado pela minha paixão por esse tipo de narrativa, em que estamos num universo realista até que, de repente, MÁGICA!
Porém chegamos no último terço do livro, mais ou menos. Na altura em que o Scipio vai buscar o Próspero para eles irem à Isola Segreta. E aí, para mim, começou a desandar. A história do carrossel podia ter sido muito mais. Podia ter se tornado uma reflexão sobre a importância de viver a infância. Podia ser um presente para os adultos que não tiveram a oportunidade de serem crianças pela crueldade do mundo. Mas não: o Scipio vira adulto e todos os seus problemas desaparecem; em contrapartida, os irmãos Renzo e Morosina, não entendem mais o apelo da infância por serem, na verdade, adultos. Então, tipo. Não entendi?
Conforme eu ia lendo essa parte final, eu ia lembrando de mim mesma, aos dez anos, lendo esse livro na casa da minha avó. Eu costumava passar as férias de verão lá, no Rio de Janeiro, e, conforme eu ia ficando mais velha, sempre tinha um livro me acompanhando. Enfim, eu lembrei de ler esse final e ficar meio frustrada. Obviamente, fiquei ligeiramente apaixonada pelo Scipio (é a minha cara, socorro) e ver que ele simplesmente virou um adulto não era exatamente o que eu queria para ele, nem naquela época. Isso porque eu de fato era uma criança que sonhava em crescer o mais rápido possível! Acho que tem a questão também que entre a infância e a vida adulta existe a adolescência. E dói, lógico, mas é tão importante. E eu acho que aos dez anos eu não queria necessariamente ser adulta, mas, sim, ser adolescente. Lembrei que, mesmo muito novinha, não fazia muito sentido pra mim alguém querer pular aquela parte da vida.
Enfim, me perdi um pouco aqui na resenha (risos). O meu ponto é: eu achava que eu amava esse livro e, de certa forma, eu estava certa; mas, ao mesmo tempo, eu me lembrava muito mal dos meus sentimentos ao terminá-lo. Acho que esse foi um livro importante para a Júlia mini-leitora. Só que a minha tristeza ao finalizar a leitura, a minha vontade de que a história não tivesse fim, era mais porque eu queria que a história tivesse um final diferente.
Mesmo assim, eu fico pensando. Lendo esse livro hoje, fiquei incomodada que a história não trazia nenhum aprendizado, nenhuma moral, para as crianças leitoras. Além das questões que eu já falei ligadas ao carrossel, o Mosca e o Riccio simplesmente voltam a morar nas ruas e os dois adultos da história acharam super razóavel, que duas CRIANÇAS tinham a maturidade de simplesmente escolher nunca irem para uma escola e viverem a base de roubo e de esmola. Só na Europa mesmo, né minha filha. Só que aí eu comecei a pensar: será que toda história precisa ter uma moral? Esse livro é uma fantasia para crianças, não só no sentido mágico, mas no sentido de: que criança nunca sonhou em se aventurar pelas ruas de um lugar mágico como Veneza? Sem hora para voltar para casa, sem escola. Virar adulto do dia pra noite e ficar tudo bem. Dar uma roubadinha sem nunca ser pego, por que não? Um livro pode ser só divertido pro público leitor, não precisa ter uma lição de moral à espreita no final. Fiquei pensando se eu não estava sendo um pouco moralista também. Eu não sou assim lendo livros adultos, é só olhar pra minha nota em O Jogo do Amor/Ódio. Aquele definitivamente não é um romance que eu queira viver na minha vida real, mas, mesmo assim, eu li aquele livro em menos de 24 horas e me diverti horrores com o casal protagonista.
De qualquer jeito. Fica aí a reflexão.
Outras coisas que eu não gostei: a Vespa é simplesmente a menina da turma, ou seja, é maternal e meio que acaba por aí; o Mosca é negro e, piadas com blackface à parte, não tem nenhum arco e nenhum desenvolvimento rolando; o Barbarino, no final, é chato para um caralho e, honestamente, meio desnecessário; eu só queria um enredo maior envolvendo o carrossel.
No fim, essa minha nota é a de uma leitora adulta. Que se lembra vagamente de se incomodar com algumas coisas, mas que tem toda a sua opinião contaminada pelo fato de que esse livro definitivamente não é pra mim. Eu não tenho mais aquelas fantasias. E quando eu leio que uma criança foi morar num casarão abandonado e começou a trabalhar aos 12 anos, eu vou me preocupar com o futuro daquele personagem fictício, mesmo sabendo que aquele é um mundo em que vai ficar tudo bem.