Evy 12/12/2021"Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta"."Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida".
Eu já me sinto muito suspeita pra falar de Clarice, porque desde a primeira vez que a li aos 19 anos me apaixonei por sua narrativa íntima e extremamente reflexiva e desde então a cada livro novo eu só me apaixono mais. É definitivamente minha autora favorita da vida e ela não podia ser desse mundo! Como bem descreveu Drummond: veio de um mistério e partiu para outro.
Nesse romance, o último escrito pela autora e publicado em 1977, bem pouco antes de sua morte, Clarice nos apresenta Macabéa, uma alagoana solitária e ingênua (poderia facilmente usar a palavra sonsa, como em tantas resenhas que li, mas depois de ter lido aquele final, não consigo) que mora com uma tia difícil no Rio de Janeiro onde é datilógrafa. Macabéa nos é apresentada pelos olhos do escritor Rodrigo S. M. (a própria Clarice em um de seus poucos personagens masculinos).
Escritor esse, que apesar de nos presentear com belíssimas citações, tais como "Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever"; "A minha alegria também vem de minha mais profunda tristeza" e "Que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só", e nos trazer muitos questionamentos importantes sobre viver e escrever, me deixou com raiva em alguns momentos da forma como se referia à Macabéa e seus desencontros.
Esta mulher, solitária, humilde e a verdadeira fotografia da miséria humana que é Macabéa, com quem me apeguei logo, não sei se pela compaixão e piedade que eu não deveria sentir, ou pela afinidade com alguns sentimentos, pela raiva de sua apatia, ou mesmo pela inveja de seu olhar tão ingênuo da vida.
"Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam."
Macabéa que não era ninguém e ao mesmo tempo tantas, uma peça descartável perambulando pela vida sem a menor consciência de sua existência. Tão tolamente passiva e conformada que as vezes se achava até mesmo feliz. "Já que sou, o jeito é ser". Macabéa que se apaixona, é traída e desemparada busca uma cartomante que lhe prevê um futuro radiante.
Macabéa é um retrato de tantos e tantas, levando a vida sem refletir, sem ser enxergada, e sendo espezinhada a todo momento sem reagir como se merecesse aquele destino terrível. Ela não se magoa com o péssimo tratamento que recebe do namorado, com a tia que a maltrata, com a colega de trabalho que a trai, com a cartomante que a ilude. Simplesmente segue.
"_ Por que é que você me pede tanta aspirina? [...]
_ É para eu não doer.
_ Como é que é? Hein? Você se dói?
_ Eu me doo o tempo todo.
_ Aonde?
_ Dentro, não sei explicar".
O final deste livro é para mim um dos mais tristes que já li na vida. O retrato esmagador da solidão e da invisibilidade, e a prova mais clara da genialidade de Clarice, embora eu super entendo aqueles que não sentiram-se tocados por essa narrativa, afinal a leitura é muito pessoal, e depende de momento e vivências.
Nem tudo que me marca, marcará outras pessoas e vice e versa. E essa é a beleza da literatura em sua diversidade. A mim, o livro marcou muito e foi para os favoritos.
Super recomendo a leitura!