jota 10/11/2013Metalinguagem de primeiraQue já começa na capa: de um lado o nome Tony, de outro, o nome Susan, unidos por um &. E ainda que Tony e Susan possam se encontrar numa mesma página do livro (melhor dizendo, seus nomes), eles jamais irão se cruzar de fato aqui. Ao contrário do que certamente ocorreria num outro tipo de romance, que trouxesse no título o nome de seus personagens principais.
Susan Morrow, professora universitária, é a protagonista do livro que temos em mãos, editado pela Intrínseca, da autoria de Austin Wright (1922-2003). E Tony Hastings, professor universitário, além de personagem do mesmo Wright, claro, é também uma criação do escritor Edward Sheffield, ex-marido de Susan. Ela tem em mãos, a maior parte do tempo, o manuscrito que Edward escreveu, Animais Noturnos, e lhe enviou para avaliação.
Susan e Edward (também Arnold, Stephanie, Dorothy, Henry, Rosie, etc.) vivem numa realidade, digamos assim, real, igual a nossa, enquanto Tony e Laura (mais Helen, Bobby Andes, Louise Germane, etc.) são protagonistas de uma realidade ficcional (mas que também é igual à nossa), uma história de violência, morte e vingança, o já citado Animais Noturnos. Que no fundo pouco difere de outras histórias apavorantes que lemos em jornais, revistas, etc., ou que a tevê exibe diariamente. Todos (realidade ou ficção) a mostrar a precariedade de nossas vidas bem protegidas.
Apesar de parecer um livro complexo ou difícil, as duas histórias correm paralelamente e ninguém vai precisar ler com tanta atenção assim por medo de misturar alhos com bugalhos. O que acontece com Susan enquanto ela lê Animais Noturnos é o mesmo que acontece conosco na leitura de qualquer livro interessante. Ou seja, refletimos sobre aquilo que os personagens dizem ou fazem e emitimos julgamentos sobre seus atos, imaginamos coisas boas e ruins por acontecer nas páginas que virão, tememos pelos personagens com que simpatizamos quando estão em perigo, queremos justiça para os maus quando cometem crimes (e até que morram, pode ser o caso), e muitas coisas mais.
Em todo livro ocorre isso, é verdade, mas aqui você tem Susan refletindo sobre essas coisas, questionando, fazendo perguntas, aprovando ou não o que lê: Wright investiu fundo na relação leitor-livro. Próximo do final ele diz (através de Susan) que quando terminamos de ler um livro, “a mente relaxa e o livro se liquefaz. É impossível dizer quando.” Depois, liquefeito, o livro passa a fazer parte de nós, de nossa vida, repousa no fundo de cada um, num depositário de lembranças...
E, afinal, o livro é realmente sensacional ou todos aqueles elogios nas capas não passam apenas de propaganda (enganosa)? Bem, a história de Susan, Edward e outros personagens da “vida real” é bastante crível ou plausível, não resta dúvida. Já em Animais Noturnos algumas vezes você pode se irritar com o comportamento de Tony Hastings frente a várias situações críticas ou não, noutras pode estranhar certas ocorrências ou coincidências e ainda não ficar totalmente convencido acerca de que certas coisas se passariam do modo que se passam quando numa situação envolvendo pessoas reais. Susan fala em “falhas” do livro, outro personagem diz que Tony é um “fracote”, etc...
Ainda que as duas histórias tenham começo, meio e final, você vai sentir desde o início que Tony & Susan não é exatamente uma história (ou duas, não?) convencional, como parece ser a maior parte do tempo. Afinal de contas, não é todo dia (ou em todo livro) que um ex-marido (Edward) envia à ex-esposa (Susan), cerca de vinte e cinco anos depois de separados e de praticamente nenhum contato, um manuscrito de livro para que ela dê sua opinião, com a alegação de que Susan era (quando casados) uma excelente leitora e crítica, ainda que ela seja isso mesmo até hoje.
E outra coisa: por que Edward deu ao personagem Tony como sobrenome o nome da cidade de Hastings, onde Susan e ele viveram até a separação? E mais outra ainda: qual o motivo de Edward colocar em cena, perto do final, uma personagem secundária chamada Susan, numa vez chamada de tola, noutra de putinha? E tem muito mais...
O que não se pode dizer das duas histórias de Tony & Susan é que elas sejam ou que um ou outro dos finais sejam banais(alegação de alguns leitores). Fico com The Times: "Um livro muito inteligente, e também uma narrativa sensacional sobre leitura, casamento, crises e vingança."
Lido entre 08 e 10/11/2013.