Matheus 04/04/2013Romance histórico medieval insuperávelEu pensava que a construção de uma catedral fosse algo um tanto simples. É só deitar uma pedra, sentar argamassa e deitar outra pedra em cima. Fazendo isso por intermináveis vezes teríamos um dia uma catedral. Claro que levaria tempo, eu teria de estudar um pouco arquitetura e ter muito dinheiro para tocar a obra. Bem, lendo Ken Follett construir a sua catedral, eu aprendi uma importante lição: construir a maior e mais bonita catedral do mundo não seria uma tarefa nada fácil, ainda mais tendo como principal agravante fazê-lo durante o período mais turbulento da idade das trevas.
Pilares da Terra é uma lição viva de história medieval. Sim, viva. Diferente dos livros de história tradicionais, a ficção histórica de mestres como Ken Follett transporta o ser humano ao passado e o ressuscita. Depois então recria o mundo a sua volta como um legítimo historiador, fornecendo o palco onde este homem possa desenvolver todo seu potencial existencial. Follett não ressuscitou a penas um homem, mas vários, e os distribuiu pelo cenário de modo que conheçamos a vastidão e profundidade de sua reconstituição.
Vivemos na pele de um artífice desempregado que peregrina com sua família de uma cidade a outra à procura de emprego. Sofremos com os herdeiros de um ducado que foram expulsos de suas terras por um ardiloso nobre rival. Encarnamos um monge que vive em um mosteiro situado na periferia do mundo e sonha melhorar a vida das pessoas através da obra de Deus. Estes e tantos outros personagens acabam de uma forma ou outra sendo conduzidos ao canteiro de obra de uma catedral e são amarrados numa trama que se desenvolve por décadas.
A trama prende o leitor e Follett ensina penas entrelinhas. O cenário em volta da trama é tão bem reconstituído que, ao final das mais de 900 páginas do livro, podemos sim afirmar que tocamos a essência da idade média inglesa, esfera por esfera.
A começar pela política, temos contato profundo com a hierarquização da sociedade medieval, ramificada em sociedade civil e religiosa. Rei e papa, conde e bispo, prior e xerife, cavaleiros e monges, títulos e mais títulos de nobreza representados um a um pelos personagens da trama, que se envolvem em imensas disputas políticas, entre as quais, a construção da catedral de Follett.
A catedral é feita de pedras, madeira, vidro e muito suor. Tudo isto custa dinheiro. Follet esmiúça a economia feudal descrevendo as relações de trabalho dos servos que trabalham a terra de seus suseranos e o direito de exploração dos recursos naturais nela contido. O autor dá ênfase à economia citadina, local principal da trama, descrevendo desde a cunhagem de moedas até as complexas relações de compra e venda de produtos e serviços nos mercados locais e internacionais. Outra forma interessante de geração de riqueza que o livro aborda é do turismo religioso, constituindo-se num sustentáculo importante para construção da catedral.
A esfera social foi representada nas rotinas de administração das instituições eclesiásticas, notavelmente do mosteiro que se imiscuiu da construção da catedral. A manifestação de grupos segregados como bandidos fora da lei, soldados mercenários e pedintes miseráveis também foram cruelmente representadas em contraposição aos poucos e cobiçados homens livres que obtiveram algum sucesso e prosperidade por mérito próprio.
Dentro da esfera cultural, a religiosidade foi largamente explorada por causa da imensa importância que a igreja católica exercia no contexto da época. Follett foi muito sábio em não polarizar os personagens estritamente de acordo com sua fé religiosa. Temos personagens virtuosos que fazem parte da igreja, outros que são indiferentes a ela, e outros que até são contrárias aos seus princípios. Do mesmo modo, temos clérigos amorais e leigos malignos que obstruem cruelmente a obra de deus. Entretanto, o autor não se limitou apenas às disputas políticas clericais, mas entrou a fundo no âmbito individual da fé cristã, onde a presença da igreja enraizou suas próprias leis que regem a instituições como nos casamentos, festividades santas, organização do trabalho e juizado.
As técnicas de construção civil conhecidas na época foram tão assombrosamente rememoradas que merece um parágrafo a parte. Dos alicerces ao telhado, passo a passo o autor nos convida a fazer parte da construção da ciclópica catedral.
Dentre os pontos que me incomodaram durante a leitura eu destaco a falta de mapas, que me deixou um tanto perdido geograficamente. Nesta nova edição, volume único com linda capa dura, bem que poderia ser incluido um mapa da Inglaterra da época. Senti falta de um personagem principal de origem camponesa, que trouxesse ao leitor o cotidiano da vida rural. Penso também que na segunda metade do livro o autor poderia ter nos apresentado novos personagens protagonistas. Todavia, é muito difícil criticar Pilares da Terra. Trata-se de uma obra-prima da literatura mundial e uma afirmação incontestável do romance histórico como gênero literário.