Lodir 08/11/2011EXCELENTE BIOGRAFIA!A morte de mitos costuma causar um alvoroço no mercado. Logo após o anúncio oficial, produtos relacionados disparam em vendas e geram lucros exorbitantes. Músicas lideram as paradas de downloads pagos, discos disparam para o primeiro lugar e livros aparecem na lista dos mais vendidos. Os casos recentes de Michael Jackson e Amy Winehouse comprovam essa teoria. O artista vira moda, até que as notícias sobre ele param de repercutir e a euforia passa.
O caso de Steve Jobs, no entanto, é incomum. Jobs não é um artista. Não é músico ou ator. Na verdade, ele não passa de um empresário. Ainda assim, sua imagem, a empresa que ele fundou e os produtos que criou, de alguma forma, causam certa mágica sobre os consumidos e a população em geral. Mesmo após ler sua história, fica difícil entender o motivo dessa força. O lançamento de sua biografia autorizada – que está atualmente em primeiro lugar na lista dos mais vendidos do país – é um exemplo disso. Com o lançamento poucos dias após a morte de Jobs (a publicação chegou às livrarias em 24/10), o livro, escrito pelo respeitado biógrafo Walter Isaacson, parece um mero produto oportuno. Sim, ele teve o lançamento mundial antecipado – era previsto apenas para novembro. Mas a verdade é que essa biografia estava sendo escrita há mais de dois anos, desde que Jobs começou a apresentar sinais de que sua doença não o deixaria viver por muito tempo. Segundo o autor, ele sabia que as pessoas iam destroçar sua história quando ele não estivesse mais aqui, então quis deixar sua versão oficial. O momento não poderia ser mais adequado.
Sempre desconfio de biografias autorizadas. O motivo é óbvio. Se o personagem central autorizou o livro, a versão contada é a que melhor favorece a ele, não? É aquela em que ele aparece como um herói, uma pessoa boazinha e admirável, certo? Não necessariamente. No caso no presente livro, fica evidente que o autor foi o mais fiel e sincero possível. Primeiro: Isaacson afirma que Jobs não leu nenhuma página do livro, e não o fez porque assim o quis. Ele sabia que não gostaria de muitas coisas que estavam escritas, então preferia ler apenas quando fosse publicado, para não influenciar o conteúdo e não deixar a impressão que foi feito sob encomenda. Jobs também incentivou o escritor a entrevistas seus “inimigos”: concorrentes e funcionários que foram demitidos das empresas que ele comandou, entre outras pessoas. Dessa forma, além de ter entrevistado dezenas de pessoas envolvidas com ele, Isaacson fez mais de 40 entrevistas com o próprio Steve Jobs, expandindo ao máximo cada fato e dando atenção aos mais delicados detalhes de sua história, proporcionando-nos uma bela biografia.
Detalhes que envolvem todas as fases de sua vida. Desde o abandono pela mãe na infância até a adoção por um casal de universitários. Descobrimos como Jobs e Steve Wozniak começaram a montar placas de computador em sua garagem. Os dois fundaram então a Apple e criaram o primeiro computador, o Apple I, até lançar depois o Macintosh, o primeiro computador pessoal. A biografia segue com destaque, claro, à sua carreira e a cada produto lançado a partir daí. Cada nova versão de um computador é descrita em ricos detalhes, desde a elaboração do design até a engenharia, passando pelo Ipod, Iphone e chegando ao Ipad. Jobs acabou expulso da empresa que criou, começando do zero novamente e criando outra, a NeXT, assim como o estudo de animação Pixar (a concepção de cada filme também é relatada). A biografia, claro, revela outros aspectos de sua vida, como seus romances, seu casamento, a criação ausente dos filhos, o reencontro com a irmã perdida, a procura pela mãe biológica e, obviamente, a descoberta e o tratamento ineficaz do câncer, que acabou levando-o a morte. Como é recente, a biografia mostra sua vida até agosto de 2011, quando renunciou ao cargo de executivo da Apple, momentos antes de falecer.
Algumas vezes o relato de Isaacson é tão fiel que chega a chocar. Para quem está acostumado com a imagem mágica em torno da figura pública de Steve, a leitura pode ser bem reveladora. Todos concordavam, desde a esposa até os colegas de trabalho, que Jobs era uma pessoa intragável, daquelas difíceis de sobreviver à convivência. Para ele, era tudo ou nada. Ou uma pessoa era genial ou era babaca. Os depoimentos dos funcionários da Apple mostram a tensão que eles sentiam no momento de mostrar seus projetos. Era comum Jobs dizer que o trabalho era uma merda e chamar o autor de idiota. Quando alguém apresentava uma nova idéia, ele descartava em seguida, e voltava uma semana depois apresentando a mesma proposta, mas como se fosse sua. Era extremamente exigente com os detalhes e passava horas decidindo coisas aparentemente banais, como o tom de cinza que seria usado em uma peça ou a placa que seria colocada do banheiro das Lojas Apple. Quem não concordava com a importância dessas coisas irrelevantes não era digno de criar os produtos da Apple. A biografia mostra ainda que Jobs enganou sócios no começo de sua carreira, não tinha nenhum interesse em filantropia e até renegou seu primeiro filho, quando tinha vinte anos, mesmo sabendo que era mesmo dele. Revela que era usuário freqüente de LSD e quase não tomava banho quando jovem. Mais que tudo, o livro mostra que ele era um homem controverso, ainda que considerado um gênio contemporâneo.
Ainda assim, a obra não apenas indica, mas explica como Jobs revolucionou a tecnologia e ajudou a criar o mundo como o vemos hoje. Ele pode ser considerado, antes de tudo, o criador do computador doméstico, da animação digital e do tocador de músicas em mp3. Seus produtos não entregavam aos consumidores apenas o que eles queriam, mas sim o que eles precisariam no futuro. As apresentações de cada produto, sempre comandadas por Jobs, eram espetáculos onde ele era o grande showman. Foi capaz de criar a empresa mais valiosa do mundo em poucos anos, ser demitido dela e voltar dez anos depois para resgatá-la da falência, devolvendo a áurea em torno dela assim que anunciou seu retorno.
“Steve Jobs” é, certamente, uma das melhores biografias que já li, graças ao seu relato rico e sincero sobre um personagem complexo e recluso. É algo que levará o leitor noite adentro, sem parar, para acompanhar a vida de Jobs e saciar sua curiosidade por ele. A leitura é muito recomendada para seus fãs, para os fãs de tecnologia, para estudantes de administração, mas também para o público em geral. O livro satisfaz em todos os sentidos, desde o texto em si até a edição, que ganhou uma capa que emita as embalagens dos produtos da Apple, além de um papel macil e agradável. A Companhia das Letras está de parabéns.
Assim como Jobs era apenas um empresário, mas não qualquer empresário, a sua recente biografia autorizada não é apenas um livro, mas sim uma grande biografia.
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