anaethesix 09/05/2024
O embate entre o direito natural e o positivismo
Na obra ?O caso dos exploradores de caverna?, que se trata de um artigo escrito pelo filósofo jurídico Lon L. Fuller, o autor nos apresenta uma história fictícia representada por cinco integrantes de uma sociedade espeleológica que defrontam-se em uma situação de extrema sobrevivência, conjuntura da qual mais tarde é abordada por juristas a fim de estabelecer uma sentença definitiva.
Contextualizando, cinco membros da Associação de Espeluncologia, incluindo Roger Whetmore, decidem realizar uma viagem da qual acabam acessando o interior de uma caverna. No momento em que já se localizavam bastante distantes da entrada da caverna ocorreu um deslizamento que acabou por bloquear a única saída que eles conheciam. Com base na ausência dos membros notada por seus familiares e as informações deixadas pelos exploradores sobre seu paradeiro, foi promovido então um agrupamento de salvamento.
A missão de resgate se desenvolveu de maneira bastante complicada e desgastante. Apenas no vigésimo dia conseguiram estabelecer uma comunicação entre os exploradores e os homens que se identificavam na base do resgate. Em ciência de que a liberdade fora da caverna demoraria mais 10 dias, Roger Whetmore chegou a indagar se eles conseguiriam suprir a carência alimentar através dos nutrientes da carne humana e também se seria recomendável que apostassem na sorte para decidirem quem deveria ser sacrificado. Depois desse ocorrido, não se houveram mais notícias dos indivíduos e levou-se em conta que as pilhas do rádio de comunicação deveriam ter descarregado.
Quando os exploradores finalmente foram libertados, percebeu-se então que Whetmore havia sido morto e usado de alimento para seus companheiros. Em primeira instância, os quatro associados foram acusados e condenados de homicídio. Já na segunda instância, ocorreu grande divergência de opiniões entre os juristas, onde cada um apresentava uma tese.
?O caso dos exploradores de caverna? é uma grande ferramenta ao estudante na introdução do curso de Direito e exerce a função de apresentar conhecimentos basilares, como por exemplo, a hermenêutica, a diferença entre moral e direito, Estado e povo, assim como também ângulos e teorias aplicadas ao caso.
Após realizar uma análise pude perceber que o desenvolvimento da obra tem como base principal expor os conflitos entre o direito natural e o positivismo, como é muito bem articulado pelo Juiz Handy: ?{...} Ouvimos arrazoados sobre as distinções entre direito positivo e direito natural, o sentido e o propósito da legislação, funções judiciais e executivas, legislação oriunda do judiciário e do legislativo.?. Cada juiz apresenta um lado de maneira pontual que causa no leitor uma inquietação sobre qual princípio se apossar e qual argumento é mais contundente.
Como bem sabemos, a argumentação é uma questão valorativa no ramo do Direito e serve para que o indivíduo possa defender seu posicionamento sobre determinado assunto. Ela permite entendimento sobre pontos específicos e abre espaço para um raciocínio fundamentado, muitas vezes baseando outras teorias e estabelecendo a possibilidade de um debate (julgamento) em rumo à conclusão mais satisfatória. Percebe-se então que entre os juízes Truepenny, Foster, Tatting, Keen e Handy ocorre esse embate de teorias, sustentado por uma divisão de opiniões entre o direito natural e o positivismo.
Na obra é citado o seguinte trecho ?Quem quer que prive intencionalmente a outrem da vida será punido com a morte?, ilustrando o positivismo. Já em outro trecho diz ?A essência da argumentação de meu colega pode ser enunciada nos seguintes termos: nenhuma norma, qualquer que seja seu texto, deveria ser aplicada de modo a contradizer seu propósito. Um dos objetivos de qualquer norma criminal é a prevenção. A aplicação da legislação, qualificando como crime matar a outrem, neste caso peculiar contradiz seu propósito, pois é impossível crer que os dispositivos do Código Penal pudessem atuar de maneira preventiva relativamente a homens colocados em face da alternativa de viver ou morrer. O raciocínio por meio da qual esta exceção é encontrada na legislação é, segundo observa o meu colega, o mesmo que conduz à admissibilidade da excludente da legítima defesa.?, representando o direito natural.
Para melhor compreensão, os dados expostos aqui traduzem perfeitamente a necessidade de seguir aquilo que está dentro dos parâmetros da legislação, tanto quanto de aderir aquilo que é moralmente correto.
Diante deste homicídio gerado por uma situação completamente fortuita, onde o ser humano dentro de tal cenário teve que optar entre se manter vivo ou lutar contra seu instinto natural de sobrevivência, o que deve ser aplicado ao caso concreto? Qual seria mais viável? Agir conforme a lei, mesmo o direito à vida (e consequentemente a sobrevivência) sendo um bem fundamental? Ou seguir o direito natural, mesmo que tirar a vida de outrem seja configurado como crime? Seria justo condenar os quatro homens tendo consciência de todos os horrores que eles passaram e da situação limítrofe em que o único meio de existência foi através de dizimar a vida de outro? Este é o ponto central que move toda a pauta.
Depois de observar as teorias de todos os juízes e ver como certas inflexibilidades são capazes de coexistir, podemos notar que o Juiz Handy conseguiu sustentar ambos os posicionamentos, sem se expor a extremismos. Ele conseguiu aplicar a justiça ao caso concreto, de maneira que prevalece tanto o estado de um direito quanto também se faz do direito um indiferente à realidade social.
Me imiscuindo ao caso, estabeleço então a minha decisão de que não posso tomar com absoluta convicção o texto legal que tem como efeito ser radical e extremista, nem mesmo o jusnaturalismo, que se abstém do que se diz a lei.
De acordo com o Juiz Foster ?Um homem pode afrontar a letra da norma legislada, sem infringir a própria legislação. Toda proposição de direito positivo, quer contida em uma norma ou em um precedente jurisprudencial, deve ser interpretada racionalmente à luz de seu propósito evidente.?, ou seja, o incidente deveria ter sido analisado com base no propósito e na circunstância para então uma decisão ser aplicada ao caso concreto, o que não foi utilizado na obra, sendo que no final sucedeu-se um empate que teve como consequência a efetivação da letra fria da lei.
Então com base no desenvolvimento da obra, me apoio na ideia de que deve ser aplicada a justiça escorada no equilíbrio entre a lei e a sensatez, não apenas em um destes conceitos.