Júlio 23/08/2016
Esse volume é divido em três partes, sendo que a terceira parte toma apenas um décimo do livro. A primeira começa por nos situar na vida do narrador, e dá um amplo panorama de sua infância e das pessoas que o cercavam. A segunda muda o foco para Charles Swann, e nos conta, com mais exatidão, seu relacionamento com Odette e o eventual declínio emocional de Swann. A terceira volta o foco para o narrador e concluí o volume reintroduzindo uma personagem apresentada no início do primeiro capítulo. Essa talvez seja forma mais simples, e menos justa, de descrever a "trama" de No Caminho de Swann.
O primeiro capítulo do livro é uma das transposições mais originais e eloquêntes do sentimento de nostalgia e da idéia de memória que eu já pude conferir na literatura. A grande beleza da escrita aqui é a capacidade de Proust descrever pessoas e cenários não de forma física, mas de forma emocional. Raramente ele se demora ao descrever como as pessoas e os locais são, mas sim como as pessoas pensam e que sentimentos esses locais trazem aos personagens, talvez a grande exceção seja descrição de cenários floridos, que o autor tem particular interesse em descrever cada espécie de flor que compõe a cena. Mesmo à respeito da idade dos personagens a clareza reside na maturidade das ações, e não na informação direta, principalmente ao que se refere à vida do narrador, pois só sabemos em que estágio da vida ele se encontra pelas descrições de suas ações, ambições e pensamentos.
Um dos melhores momentos dessa primeira parte, e uma das passagens mais famosas da literatura, é a memória involuntária causada ao narrador ao provar uma madeleine com chá, que desencadeia suas memórias de infância: "Rapidamente se me tornaram indiferentes as vicissitudes da minha vida, inofensivos os seus desastres, ilusória sua brevidade, da mesma forma como opera o amor, enchendo-me de uma essência preciosa; ou antes, essa essência não estava em mim, ela era eu". E essa musicalidade, essa forma poética de descrever sensações e lembranças é que torna essa obra uma experiência tão única, isso aliado à habilidade de Proust de descrever o psicológico de seus personagens de forma tão completa e humana.
O segundo capítulo tem como personagem central Swann, e aqui o narrador, antes personagem principal, passa para segundo plano e raramente faz comentários na primeira pessoa, se tornando basicamente onisciente durante toda sua duração. Desde Tolstoy que eu não havia tido a oportunidade de encontrar personagens tão complexos como os aqui apresentados e Swann, por si só, já seria o suficiente para posicionar Proust como um grande psicanalista dentro da literatura. É incrível a apresentação de suas inseguranças, medos e ansiedades, e a forma que é descrita cada percepção que o personagem tem sobre as ações de um segundo, seja a interpretação de uma frase ou de um simples gesto facial: "Swann reconheceu imediatamente nessas palavras um desses fragmentos de um fato correto que os mentirosos em aperto se consolam em fazer entrar na narração de fatos falsos que eles inventam, julgando que assim têm alguma vantagem e furtam sua semelhança à Verdade".
As cenas em que uma associação feita entre o amor que Swann sente por Odette e uma sonata foram um dos melhores momentos do livro para mim, que serve como explicação, justificativa e mesmo como medida temporal para o relacionamento com Odette. O sofrimento de Swann por uma mulher que a princípio ele não considera bela, que não compartilha suas curiosidades culturais, que leva uma vida leviana e cheia de segredos tenta ser justificado, por Swann, ao associar ela à uma sonata que, por acaso, ele "redescobre" ao lado dela.
O último capítulo introduz aquela que vem a ser o primeiro romance do narrador, Gilberte que é introduzida no primeiro capítulo do livro, mas a idéia que aqui parece ser foco é o conceito de como interpretamos os nomes das coisas. O narrador mostra como certas idéias e sentimentos ficam presas naquilo que o narrador se refere ao "refúgio dos nomes", e nos pensamentos que um nome pode desencadear na pessoa, conceito que utilizado mais para frente, quanto Gilberte pronuncia pela primeira vez o nome do narrador. Vale notar que essa pronúncia não é "ouvida" pelo leitor, somente pelo narrador, importando aqui o que esse evento põe em movimento na mente dele e não a revelação de seu nome para nós.
Esse volume já forneceria material para preencher um livro só de comentários, impossíveis de caberem em uma pequena resenha, mas resumindo é fácil dizer que é uma experiência realmente única que sem dúvidas valeu todo o tempo investido e mal posso esperar para conferir o 6 volumes restantes.