Letícia 03/07/2021
A Caverna foi meu primeiro contato com Saramago. Embora o desejo fosse antigo, foi graças à leitura coletiva organizada pela @antologiapessoal e pelo @resenhinhas que conheci a obra do autor português.
Nesta releitura do mito platônico, Saramago narra a história de Cipriano Algor, um oleiro de 64 anos que vende louças de barro para o Centro, núcleo político e econômico da história, até o dia em que seus clientes passam a preferir utensílios de plástico. Repentinamente sem trabalho, o único que realizara durante toda a vida, Cipriano é amparado pela filha Marta, que tem a ideia de fabricar bonecos de barro, e pelo genro Marçal Gacho, que trabalha como guarda no Centro e retorna à olaria nos seus dias de folga.
Meu receio inicial em ler Saramago, apesar da experiência de leitura de Valter Hugo Mãe, era devido ao seu estilo tão conhecido, marcado por parágrafos longos e a pouca pontuação. Mas, iniciada a leitura, a apreensão logo ficou para trás e me apaixonei pela escrita e pelas digressões do autor. Saramago é um artesão de palavras, faz com a linguagem o que Cipriano faz com o barro: amassa, modela e reamassa.
São poucos os grandes acontecimentos. A força do romance está na crítica eloquente à lógica mercadológica do capitalismo, à sociedade de consumo, à tecnologia que torna homens obsoletos, à alienação e ao conformismo neoliberais. Contra o culto ao mercado e a coisificação do ser humano, Saramago, mais do que humanizar, diviniza os personagens por meio da arte e do dom da criação.
O que mais me tocou, porém, foi a forma como são retratadas as relações entre pai, filha e genro, além do cão Achado, por eles adotado, e a vizinha Isaura. Pensei muito na história de vida da minha família e na minha própria. Me emocionei em várias passagens e tive dificuldade em economizar as páginas para não ultrapassar as metas semanais.
O livro tem um ritmo mais lento, que não chegou a me incomodar, e se acelera nos capítulos finais, culminando em um clímax um pouco literal demais para o meu gosto, mas concluindo com uma retomada primorosa da crítica à mercantilização da vida.
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