Nica 20/12/2010
Esta foi a segunda vez que li o livro de José Saramago, A Caverna. A primeira leitura foi emocionante, chorei e ri com seus personagens, tive pena ao terminar a leitura e me prontifiquei de lê-lo de novo. Durante a segunda leitura, alguns anos depois, me encantei seguidamente com o personagem Cipriano Algor, um homem idoso, simples bucólico, viúvo, solitário, discretamente romântico e sonhador.
A Caverna é um romance que trás em si o tema da Caverna de Platão, muito se tem a discutir sobre isso, porém não será agora, já que esta abordagem vai nos levar muito tempo de leitura e discussões profundas em torno de logos, mundo sensível e supra-sensível, verdades e mentiras e muitos outros temas que a filosofia nos induz a pensar. O que vou abordar nesta resenha é simplesmente a verdade que atinge a sua narrativa num jogo de claro e escuro, de sol e sombra, de velho e novo, de morte e vida, de sabedoria e ignorância, de ordem e obediência, ilusão e realidade. Mas principalmente, a ditadura capitalista imposta à nossa sociedade alienada.
Saramago é cruel, não tem dó de seus personagens, sempre me irrito com ele quando o estou lendo, pois ele normalmente destrói os seus mundos, colocando-os em níveis mais insignificantes. Com Algor não foi diferente, aos sessenta anos com uma filha, um genro, um neto a caminho, um cão achado, um amor encoberto e um trabalho digno. Tudo normal, com direção certa e convicção de sua estabilidade no meio em que vivia. Porém vem o Centro e extingue seu mundo, esmaga seus sonhos, tira-lhe a dignidade. Já o Centro é tratado na trama como um personagem,tem características divinas e como um Deus, constrói e destrói seus súditos, todos vivendo sob sua função e determinação, ele representa a força capitalista,
Dois momentos me emocionaram muito na trama:
A destruição das louças por Algor - é muito triste vê-lo destruir seu trabalho, sua vida, seus sonhos;A criação dos bonecos - é marcante, uma beleza suprema, descrição divina da criação - a narrativa nós emociona pela doçura da descrição da criação do homem que veio do barro.E Algor, um oleiro, como Deus, sopra nas narinas e faz-se a vida:
Então, como se estivesse a um nascimento,segurou entre o polegar e os dedos indicador e médio a cabeça ainda oculta de um boneco e puxou para cima. Calhou ser a enfermeira. Sacudiu-lhe as cinzas do corpo, soprou-lhe na cara, parecia que estava a dar-lhe uma espécie de vida, a passar para ela o hausto dos seus pulmões, o pulsar de seu próprio coração. Pg 202
Para Agor, oleiro, criador, o ser é puro e digno de respeito e direitos, diferente do Centro que do homem só lhe extrai trabalho e obrigações.Pessoas e coisas são colocadas em um só plano, Algor é tratado como objeto.
Como mesmo afirma Saramago, A Caverna forma uma trilogia com as obras Ensaio sobre a cegueira e Todos os Nomes. As três obras abordam temas filosóficos e sociais, confrontos estabelecidos entre uma ordem social, política e econômica e o homem numa comunidade fundamentada na família, no trabalho, dignidade, amor, humanidade. As três abordam temas do mundo contemporâneo e a hegemonia do capitalismo atual.
Para seguir esta trilogia, o próximo livro que farei a resenha será Todos os Nomes, o qual fazei uma leitura rápida, pois já faz algum tempo que o li.
Espero que esta resenha influencie você que não leu ainda, A Caverna, a lê-lo, pois é um livro belíssimo, emocionante.
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