jota 12/09/2018Cuidado, você pode sofrer um prolapso (mental) ao ler este livro! Carl, Helen, Mona e Oyster: este é o quarteto fantástico que sai pelas estradas dos EUA à caça dos exemplares de um livro que contém uma cantiga africana letal para quem a ouve, especialmente bebês. O jornalista Carl Streator perdeu um filho pequeno em circunstâncias estranhas. A corretora de imóveis Helen Hoover Boyle, que negocia casas assombradas, também perdeu um filho de modo parecido ao do jornalista. Mona, sua secretária, é fissurada em bruxaria e esoterismo; Oyster, seu namorado, é um ecologista ultrarradical.
As peripécias dessa turma e de uma série de personagens secundários igualmente estranhos (basta lembrar o enfermeiro John Nash) estão bem sintetizadas na sinopse apresentada pela editora Rocco, que foi fundo no conteúdo da obra. Resta dizer que Cantiga de Ninar é uma hilariante alegoria sobre informação e poder. Transcrevendo um trecho:
"Os estudiosos da cultura grega antiga dizem que naquela época as pessoas não consideravam os pensamentos como propriedade sua. Quando os gregos antigos tinham um pensamento, achavam que aquilo era uma ordem dada por um deus ou uma deusa. Apolo estava mandando que eles fossem corajosos. Palas Atena estava mandando que eles se apaixonassem. Hoje em dia as pessoas ouvem um comercial de batatas fritas e vão correndo comprar um saco, mas chamam isso de livre-arbítrio."
(Hoje em dia as pessoas ouvem dizer que saiu um livro novo de Chuck Palahniuk ou uma reedição de algum antigo e vão correndo comprar um exemplar, pois daqui a algum tempo o livro pode estar esgotado e custando uma fortuna nos sebos.)
Ao final da leitura o leitor constata que Cantiga de Ninar é um livro muito engraçado, cheio de humor negro e crítica à cultura de massas, exatamente conforme diz a Rocco. Desse modo, muitas vezes é preferível ler Chuck Palahniuk do que se entediar com certos textos de David Foster Wallace ou Thomas Pynchon, escritores mais venerados pelos críticos literários.
Nesses dias, feito o personagem Carl Streator, penso que muito eleitor gostaria de entoar a letal cantiga africana da poda para uma porção de candidatos mentirosos que disputam nossos votos. Daí que: "Num mundo em que as juras não têm nenhum valor, em que fazer um juramento nada significa, em que as promessas são feitas para serem quebradas, seria agradável ver as palavras de volta ao poder. (...) Seria um mundo em que cada palavra valeria por mil imagens." Chuck tem razão, e muita gente iria morrer misteriosamente...
Quanto ao termo lá de cima, caso desconheça, a esotérica Mona diz a certa altura que segundo o filósofo grego Teosfrato, conhecido como o pai da Botânica, "(...) você só deve arrancar peônias à noite, pois se for visto por um pica-pau fazendo isso, ficará cego. (...) Se for visto pelo pica-pau cortando as raízes da planta, seu ânus sofrerá um prolapso." Ou seja, uma parte do intestino grosso pode deslizar para fora. Chuck também é (muita) cultura. E escatologia...
Lido entre 05 e 11/09/2018. Minha avaliação: 3,8.