Marcelo Duarte 27/11/2022minha estante1. A postura da religião em relação à medicina, assim como em relação à ciência, sempre é necessariamente problemática, e com muita frequência necessariamente hostil.
Sempre e ?necessariamente problemática?, e, ainda pode ter o agravante de ser hostil. Ele joga as palavras na nossa cara e e toca o baile.
2. É preciso deixar claro. A religião vem de uma época da pré-história humana em que ninguém ? nem mesmo o grandioso Demócrito, que concluiu que toda a matéria era feita de átomos ? tinha a menor ideia do que estava acontecendo. Vem da infância assustada e chorosa de nossa espécie e é uma tentativa infantil de atender a nossa inescapável necessidade de conhecimento (bem como de conforto, garantia e outras necessidades infantis).
Dá sua resposta para o que ele acha que é a resposta ultima no debate sobre a origem da religão, ao mesmo tempo que diz ao leitor que um homem muito mais célebre que ele não conseguiu entender a questão. Mas ele joga mais uma vez um opinião e toca o baile.
3. Aquino acreditava um pouco em astrologia e estava convencido de que o núcleo completamente formado (não que ele conhecesse a palavra como nós a conhecemos) de um ser humano estava contido dentro de cada espermatozoide isolado. É de lamentar todas as palestras melancólicas e idiotas sobre abstinência sexual de que poderíamos ter sido poupados caso esse absurdo tivesse sido denunciado antes do que foi. Agostinho era um fantasista egocêntrico e um ignorante geocêntrico: ele estava culpadamente convencido de que Deus se importava com seu roubo banal de algumas pereiras sem importância e persuadido ? por um solipsismo análogo ? de que o Sol girava em torno da Terra. Ele também criou a ideia louca e cruel de que as almas de crianças não batizadas eram mandadas para o "limbo". É possível imaginar a carga de infelicidade que essa "teoria" doentia lançou sobre milhões de pais católicos ao longo dos anos até sua revisão envergonhada e apenas parcial pela Igreja em nossa própria época? Lutero era aterrorizado por demônios e acreditava que os doentes mentais eram uma obra do diabo. Maomé, segundo seus discípulos, teria acreditado, assim como Jesus, que o deserto estava coalhado de djinns, espíritos maus.
No livro se vê muitos trechos como esse, o autor seleciona um figura do passado, seja ela conhecida ou não, seleciona sobre essa pessoa alguns fatos, junto com mais outros indivíduos que fizeram num passado longínquo algumas falas absurdas, e a impressão que dá, que o sujeito era um insano. Não fornece uma introdução adequada ao leitor, e com adequada eu quero dizer justa e imparcial, uma vez que o livro tem um escopo e um público ? que muito provavelmente, não terá familiaridade com matérias de cunho religioso, e os que tiverem, certamente não terá um estudo aprofundado, já que não é seu campo de interesse e estudo primário. Digo isso, pois não se balanceia, a fim de ser justo com o leitor, a ?biografia? do indivíduo criticado. Esse desbalanceamento, consequentemente, gerará estranheza ao leitor, que não terá dificuldades em concordar com o que o autor está dizendo. Ele é conduzido, e se não tiver um pano de fundo, nem sequer percebe que foi enredado.
4. [...] as ciências da crítica literária, da arqueologia, da física e da biologia molecular mostraram que mitos religiosos eram falsos e criações humanas, e também conseguiram produzir explicações melhores e mais iluminadas.
Há muitas passagens assim, como há acima informado. Trechos onde o autor me solta uma afirmação dessa, não mostra um estudo, não cita os artigos, as fontes, e espera que você confie no que ele está dizendo.
5. Nunca foi difícil ver que a religião era causa de ódios e conflitos, e que sua preservação dependia de ignorância e superstição. Satiristas e poetas, bem como filósofos e homens de ciência, foram capazes de apontar que se triângulos tivessem deuses, seus deuses teriam três lados, assim como os deuses dos trácios tinham cabelos louros e olhos azuis.
Acho interessante ele usar essa ideia de que os deuses se parecem com seus adoradores, mas só pelo simples fato de que os deuses são criados a imagem e semelhança dos seus adoradores-criadores. Digo isso, pois não vejo como isso pode ser aplicado ao judaísmo e ao cristianismo. O deus cristão não se parece em nada com seus adoradores, e uma rápida leitura no texto sagrado deles deixa isso bem patente aos olhos.
6. O falecido Stephen Jay Gould escreveu de forma generosa que a ciência e a religião pertencem a "magistérios não coincidentes". Eles certamente não são coincidentes, mas isso não significa que não sejam antagônicos.
Há muita produção acadêmica sobre o assunto, muitas universidades como Oxford, Harvard e Stanford tem cadeiras para pensar como fé e ciência tem se relacionado desde que o mundo é mundo, e ninguém bateu o martelo, a discussão ainda está em aberto nas grandes universidades ao redor do mundo, mas alguém deveria avisá-las, pois Hitchens com uma frase já resolveu a questão. E pra variar, resolveu apenas com a opinião dele. E não me recordo de vê-lo comentar justamente sobre isso que o Jay Gould fala, pois tanto religioso, filósofos e assim como muitos cientistas ? cientistas não cientificistas ? admitem que a ciência, enquanto método, não se limita, pela sua própria essência e escopo, ao mundo natural, não tendo competência dentro de seu escopo para investigar o sobrenatural. É por isso que temos ideias como essa do Jay Gould, mas que é meramente descartada com um simples ?[...] mas isso não significa que não sejam antagônicos?.
7. E esse é o ponto ? sobre mim e os que pensam como eu. Nossa crença não é uma crença. Nossos princípios não são uma fé. Nós não nos baseamos unicamente na ciência e na razão, porque esses são fatores mais necessários que suficientes, mas desconfiamos de tudo o que contradiga a ciência ou afronte a razão. Podemos diferir em muitas coisas, mas respeitamos a livre investigação, a mente aberta e a busca do valor das ideias.
Aqui o autor afirma que tem a mente aberta e é adepto da livre investigação, mas o que fica implícito, é que só aceita como verdadeiro, aquilo que passa no crivo do seu método de investigação, ou sejam, qualquer pessoa que ouse usar uma epistemologia diferente da que ele usa, não está autorizado a participar do debate, e mesmo que seja autorizado, será apenas para ser ridicularizado. É isso é complicado, pois, com Jay Gould, afirma, são ?magistérios não coincidentes?.
8. É uma ironia trágica e potencialmente letal que aqueles que mais desprezam a ciência e o método de livre investigação tenham sido capazes de surrupiá-lo e incorporar os produtos sofisticados dele a seus sonhos doentios.
O temor de que terroristas conseguissem armas nucleares. Mas o interessante é que não o chamam pelo que eles são, terroristas, de uma ala do Islã, a ala mais radical, entretanto, ele não informa isso ao leitor, aqui são tratados como mero religiosos sanguinários, que podem conquistar armas nucleares em países nada estáveis. E após isso, finaliza fazendo menção de que muitos religiosos tem quase que um fetiche com um apocalipse de cogumelos de fumaça. Fica nessa de jogar no ar questões como essa, e deixando o leitor absorver e fazer as associações de temas que, algumas vezes, não tem relação alguma, até por se tratarem de grupos religiosos completamente distintos, mas são jogados no mesmo saco, como se fossem uma única massa.
9. Todas as tentativas de conciliar a fé com a ciência e a razão estão condenadas ao fracasso e ao ridículo exatamente por essas razões.
Todas. Simples assim. Para alguém que mais atrás no livro afirmou que estamos evoluindo intelectualmente, mas alguns assuntos já são um paradigma insubstituível, e o mesmo autor afirmou mais atrás também, que seus posicionamentos não possuem forma de dogma. Me parece um pouco contraditório, para ser bem educado.
É verdade que algumas vezes os cientistas foram religiosos, ou pelo menos supersticiosos. Sir Isaac Newton, por exemplo, era um espiritualista e alquimista de
tipo particularmente risível.
Como dito mais acima, ele costuma fazer isso em sua escrita, pega algumas figuras, faz a sua escolha dos dados, e a percepção que o leitor terá do individuo é essa, o cara era louco, ou tinha, pelo menos, um parafuso solto. E após isso, ele continua dizendo que muito cientistas usam uma linguagem, digamos, ?cristã? ou ?judaico-cristã?, quando falam de ciência ou investigação científica, mas só por que são expressões que já fazem parte da idioma falado pelo cientistas, como ele cita um exemplo dele mesmo quando ela fala ?Ai meu Deus?, sendo ele uma ateu. É simplesmente algo inocente, que não deve ser levado em consideração como um declaração de fé, digamos. O resto da história de Newton, ou de outros grandes cientistas, que foram menos propensos a esse tipo de ataque, não são levados em consideração, e nem a profundidade e o comprometimento de sua vida com a fé. E nem as conquistas de tais cientistas cristãos, nem suas contribuições e os subsídios sediados por entidades como as igrejas de seus tempos. O autor nunca oferece um quadro completo, é sempre parte, o que levará o leitor que não tem familiaridade com os temas a pensar que o autor está correto em algumas de suas falas.
Eu nem vou comentar sobre a parte religiosa ou da filosofia da religião, pois é algo muito medíocre, como informei na minha humilde resenha, na qual você comentou, ele segue os passos do Dawkins e não lida bem com os textos. O que causa estranheza em quem os conhece e os vê trabalhando de forma totalmente equivocada. Mas como eu disse, eu não vou entrar nesse mérito.
Vi que o livro está em sua lista de leituras futuras. Minha intenção não foi fazer uma resenha pra terceiros, eu as faço para mim mesmo. As resenhas são apenas a fim de incluir os livros lidos na contagem geral do relatório de fim de ano, é mais por obrigação, de forma que não procuro ser exaustivo. Esse trabalho eu deixo para os históricos de leitura, que me fornecem um resumo rápido dos livros lidos. Sinto muito não ter te ajudado com minha resenha.