Henrique Fendrich 07/07/2021
Sherlock fez parte da minha formação como leitor, mas não se pode, de maneira nenhuma, reduzi-lo a uma mera “etapa na evolução do leitor”. Esses contos continuam sendo excepcionais hoje, mesmo diante de tudo o que li depois deles. A regularidade do Conan Doyle impressiona nos contos do Sherlock. De fato, a maioria dos contos está um nível muito parecido, e é um nível alto. Ele alia de modo muito eficaz narração, diálogo e suspense. E o Sherlock é uma figura e tanto, naturalmente. O jogo com Watson também funciona excepcionalmente.
Dos 12 contos dessa seleção, eu elegi como o meu favorito “Os fidalgos de Reigate”. Creio que a maioria prefere “O problema final”, pelo confronto de Sherlock com o professor Moriarty, em uma cena épica. Entretanto, não negando a importância e nem a qualidade desse conto, digo que prefiro “Os fidalgos de Reigate” porque ali o Sherlock está pleno e absoluto em suas investigações como detetive. Ali ele simulou que estava tendo um ataque súbito, ali ele fez de conta que se confundiu em relação a um dado importante da investigação, ali ele derrubou uma garrafa de água e colocou a culpa no Watson (esse, coitado, assistia a tudo aparvalhado) e, como era de se esperar, tudo era devidamente calculado e só ao final o detetive irá relevar os espantosos raciocínios que o levaram a fazer o que fez.
Sem falar que, nesse conto, o Sherlock correu risco real de morte. Noto também muitas sacadas bem humoradas do detetive. E tem ainda um bilhete, conto de detetive com bilhete é sempre legal.
Outro conto a se destacar é “A face amarela”, um conto em que Sherlock erra em sua investigação e não tem um papel decisivo no deslinde da trama. Aliás, nem há crime na trama, o que, por si só, já é algo que chama a atenção. Mas há ainda peculiaridades interessantes, pois a situação criada na história tem sua razão de ser no racismo existente na sociedade de então, ainda maior que o de hoje. Mas o homem envolvido no caso tem uma atitude nobilíssima e passa por cima desse e de outros preconceitos ao término do conto.
De outro conto, “A caixa de papelão”, registro aqui o pensamento filosófico que teve o detetive, depois de desvendar uma trama que envia amor e vingança:
“Qual é o significado disto, Watson?” disse Holmes solenemente ao soltar o papel. “Que objetivo é servido por este círculo de desgraça, violência e medo? Isso tem de tender para algum fim, do contrário nosso universo é regido pelo acaso, o que é impensável. Mas que fim? Este é o grande e perene problema de cuja solução a razão humana está tão longe como sempre”.
Gostava há 20 anos e continuo gostando.