OgaiT 07/03/2022
As memórias de uma criança anarquista
Zélia Gattai se consagrou por trazer ao canône da Literatura Brasileira um gênero pouco explorado: A memória. Talvez seja essa uma evidência de como o povo brasileiro rechaça a sua própria história.
Narrada pela perspectiva de uma criança, "Anarquistas, graças a Deus", remonta a infância da fotógrafa Zélia Gattai e a vida de anarquistas italianos na São Paulo do início do século XX. A partir desses registros memorialísticos da jovem anarquista, notamos as transformações urbanísticas da capital paulistana, somos apresentados a momentos históricos interessantíssimos, como a Revolução Esquecida de 1924, a introdução do som nos filmes, a popularização dos automóveis e as primeiras corridas automobilísticas do país.
Zélia também relembra de muitos lugares que hoje já não existem mais, tal qual seu próprio lar.
Outrossim, considerando a relevância do título para a escolha dessa leitura, percebemos que contrariando a conotação do termo "anarquista", atribuída pelo conservadorismo brasileiro, essa família possui regras e condutas morais semelhantes àquelas estabelecidas por qualquer família cristã judaíca do mundo:
"Seu Ernesto não se apertou, disse que ele era anarquista mas que a maioria ? ou a totalidade ? dos carnavalescos não era. No dia em o anarquismo triunfasse no Brasil, aí então ele soltaria as rédeas. Soltaria mesmo? Tínhamos nossas dúvidas. Nem por anarquista, ele descuidava da virtude das filhas. Filha de seu Gattai devia casar virgem. Seu anarquismo tinha limitações, graças a Deus!" (p. 217).
Mais adiante, Zélia afirma:
"Embora não confessassem abertamente, mamãe e papai não alimentavam mais nenhuma ilusão quanto à possibilidade da implantação e do sucesso de um regímen anarquista." (p. 312).
Entendemos essa como uma crítica de que o anarquismo, assim como o comunismo, é um "fantasma" que paira, ameaça o nosso país, aliás, nunca foi!