Naty 08/03/2024
Nível S.K de qualidade
Já comecei esse livro com um preconceito: o final é ruim. Grande parte dos comentários que eu lia sobre ele dizia isso, mas, mais uma vez, o King me surpreendeu positivamente. Mas antes de falar do polêmico final de Sob a Redoma, quero falar da história no geral.
O livro tem quase 1000 páginas. A história começa literalmente no momento em que a redoma aparece na cidade, completamente invisível e imperceptível a não ser pelo toque. Diversas tragédias ocorrem simultaneamente em decorrência desse aparecimento inusitado: acidentes, mortes, membros decepados. Tudo isso é narrado nas primeiras 100 páginas mais ou menos. Ou seja, alguns minutos em 100 páginas. E o King faz isso com tanta maestria que não fica entediante em momento algum.
Depois que o choque inicial passa e os cidadãos compreendem que estão totalmente isolados do mundo exterior, o autor adiciona elementos que vão bem além do caráter sobrenatural e misterioso da redoma. Aqui, o nosso protagonista é o grande vilão da história. Big Jim, o vereador da cidade de Chester's Mill, é o ser humano mais abominável que eu já vi em um livro. Também é o personagem mais bem desenvolvido. Profundo, intrigante, completamente odiável, falso cristão e falso moralista, político corrupto, criminoso e extremamente autoritário e egocêntrico. Big Jim é um dos melhores personagens que o King já construiu. Ele vê na situação de calamidade causada pela redoma uma forma de fortalecer seu poder e governar como um ditador, aumentando a força policial e a repressão e controlando todos os setores da vida social. Não existe mais a separação de vida privada e vida pública embaixo da redoma. Big Jim dá um jeito de controlar até as situações mais íntimas dos seus cidadãos.
Além dele, existem diversos outros personagens terríveis e detestáveis. É um livro com cenas muito pesadas, violências, gatilhos e muitas injustiças. O King nunca foi fã de situações romantizadas e Sob a Redoma é prova disso. Tudo que tá ruim, pode piorar, e tudo que pode dar errado, vai dar. Simplesmente uma desgraceira do começo ao fim.
Tem gente que diz que a redoma deveria ser o foco principal do livro e acaba não sendo. Queriam um livro de ficção científica onde o autor focasse nos aspectos sobrenaturais que envolvem essa barreira. Mas o que o autor que mostrar é COMO AS PESSOAS SE COMPORTAM SEM REGRAS SOCIAIS. Os habitantes da cidade ficam isolados do mundo externo e começam a ter atitudes que eles jamais teriam em outra situação. Da mesma forma, qualquer pessoa que ganhe um pouquinho de poder começa a agir como um ditador e ter atitudes totalmente arbitrárias. A redoma não é o foco principal do livro e sim o que acontece SOB A REDOMA: como as pessoas se transformam em situações desesperadoras, como elas podem ser burras e influenciáveis quando estão com medo, como elas podem ser violentas e maldosas se acreditarem que são superiores.
O final do livro, na minha opinião, é a conclusão mais viável que poderia ter. Afinal a gente ta falando de uma barreira invisível que cerca exatamente os limites da cidade. Qual a chance de isso ser uma invenção humana? Nenhuma. Não achei que o final foi viajado, mas concordo que a conclusão foi um pouco rápida e simples demais em comparação a toda a história do livro. O primeiro dia de redoma dura umas 200 páginas e o King gasta só 5 com a conclusão dessa loucura toda???? Achei insuficiente, mas não quer dizer que foi ruim ou mirabolante.
Diante de tudo isso, o livro é MARAVILHOSO. A escrita divina do homem consegue criar uma história de 1000 páginas com pouquíssimos momentos de lentidão. Os personagens são muito bem construídos, apesar de serem muitos. Os aspectos técnicos são muito bem pensados, todas as consequências climáticas e ecológicas da redoma são sempre ressaltadas e aumentam a sensação de desespero do livro.
Sou suspeita pra falar porque amo tudo que o King escreve, mas esse livro é perfeito. Valeu muitooooo a pena as mil páginas e os exatos 30 dias de leitura.