Isabel 01/12/2012Tenho alguns problemas com séries literárias. Não que estes me impeçam de lê-las; não, não é isso, mas sei que evitar as que estão inacabadas seria bastante ajuizado da minha parte. Obviamente, há a parte da ansiedade: não posso olhar para minha estante com um apertozinho no coração por não ter disponível ou não poder comprar (graças a minha maravilhosa desorganização e compulsividade na hora de gastar a maior do que deveria parcela da minha mesada reservada para livros) várias continuações de séries que adoro.
Mas falando daquelas cuja continuação ainda não foi publicada, tenho problemas por causa do autor: ainda com séries que marcaram minha infância (tipo Harry Potter ou Desventuras em Série) eu me preocupava com a saúde dos mesmos. O que seria da minha existência se JK Rowling ou Lemony Snicket se acidentassem, não podendo amarrar as pontas soltas de suas sagas? Por mais dramático que isso possa parecer, é um medo real, que qualquer bookaholic entende: depois de passar horas e mais horas divertindo-se graças à trajetória de um personagem não saber seu fim é trágico. A única vez que meu medo de infância se concretizou não sofri muito (por só conhecer a série depois): Stieg Larsson, autor de Millenium, havia planejado-a para cinco ao invés de três livros, projeto interrompido por um ataque cardíaco fatal. É uma pena: Lisbeth Salander, sua anti-heroína, é digna de centenas de obras.
Algo também aumenta minha desconfiança quanto a séries: a qualidade. Não é raro que alguns livros depois (até mesmo no segundo) o autor perca o fôlego, a magia e a noção, enrolando seus fãs com finais meia-boca e extremamente comerciais. São poucas as exceções que posso destacar (entre elas está Jogos Vorazes) mas geralmente o melhor livro de uma saga é o primeiro.
Só que às vezes as coisas não são bem assim. Às vezes, a continuação de uma série não é melhor ou pior do que seu primeiro livro, apenas diferente. E foi isso que senti com Insurgent, livro precedido por Divergent (resenha aqui) da escritora Veronica Roth. [Observação: a partir daqui, teremos spoilers de Divergent.]
O mundo aparentemente perfeito de Tris Prior está caindo aos pedaços: o sistema de facções, que funcionava antes como um relógio, foi desmantelado graças a ambição dos Erudite, os intelectuais da cidade. As facções então começam a se dividir, tomando lados em uma guerra que já matou quase todos os Abnegation, onde Tris nasceu e foi criada.
No meio dessa confusão, Tris tem seus próprios problemas: como lidar com ter matado um de seus amigos – e namorado de Christina, sua melhor amiga em Dauntless – em auto defesa? Como honrar a morte dos pais, que morreram para proteger a ela? E o mais importante de tudo: o que há de tão especial nela e nos outros Divergent para que eles mereçam a morte e a atenção de Jeanine, a cruel líder dos Erudite?
Isso é o que diferencia Insurgent de Divergent: enquanto o primeiro livro se preocupa em desenrolar as questões “filosóficas” inseridas no sistema de facções, o segundo foca-se em Tris e suas dificuldades durante a guerra – sem esquecer, claro, de várias cenas de ação, descritas brilhantemente pela autora. Não é muito raro YAs distópicos não parecerem de fato YAs, o que não ocorre em Insurgent: do começo ao fim vemos as dúvidas, as escolhas e as inseguranças de Tris, característica presente nos livros desse gênero. Se você gosta de protagonistas perfeitas com namorados perfeitos, nem considere ler este livro: as "pisadas na bola" de Tris e de Four são gigantescas.
Veronica Roth agora encontra-se finalizando sua trilogia, com um último livro (ainda sem nome) que provavelmente será lançado em agosto ou setembro do ano que vem. Por favor, Ms.Roth, cuide de sua saúde: o final de Insurgent foi misterioso demais para que continuemos sem respostas.
Publicada originalmente em http://distopicamente.blogspot.com.br