jota 25/11/2013Poucas emoções e muitas digressõesPelo menos até certo ponto (e lá já se tinham ido mais de cento e tantas páginas), Os Enamoramentos não me pareceu ser um livro tão envolvente assim quanto eu imaginava que fosse. Os personagens têm sentimentos, emoções, dúvidas, uma tragédia acontece mas nos inteiramos dela sem que o mundo caia sobre nossas cabeças. Ao contrário do que às vezes acontece com determinados personagens pelos quais nos "enamoramos" e ficamos aflitos quando eles se encontram em perigo ou são mandados para o espaço por algum malfeitor. Nada disso ocorre muito aqui.
Com essa observação não quero dizer que o livro não seja bem escrito, que as histórias que vão sendo contadas por María, editora de livros espanhola, não sejam interessantes (ou que suas observações não sejam curiosas, etc.), que os personagens sejam banais, etc., claro que não. Talvez seja apenas o jeito de escrever de Javier Marías que pode ter me causado essa impressão, não sei: é a primeira vez que leio uma obra dele. E também pode ser a última.
Mas ficou claro que ele entende um bocado de alma feminina, ou então de personagens femininas, caso da narradora e protagonista María Dolz. Você se esquece completamente que o autor é um homem e vai seguindo María e sua narrativa para aonde o pensamento dela vai caminhando. Mesmo porque, se não fizer isso, pode acabar se perdendo numa das inúmeras reflexões, divagações ou digressões da personagem e quando ela volta ao ponto anterior você pode mesmo nem se lembrar do que havia lido antes. Suas divagações são tantas que a própria María, falando de outro personagem, Javier, a certa altura (página 261) o acusa, dizendo para si própria, que ele “(...) tinha se sentido tentado a fazer digressões de suas digressões (...)”. Pois é, isso só pode ser encarado como ironia, não?
Somente quando ocorre um crime e a trama assume ares de uma história policial (isso vai ocorrer apenas lá pela metade do livro, por volta da página 150, por aí), a narrativa parece tornar-se mais interessante. Não temos tanta certeza assim de que as coisas aconteceram como María nos vai contando, ainda mais que ela adiciona àquilo que ouviu e leu sobre esse crime mais um punhado de digressões.
María não consegue segurar seu pensamento e assim, de digressão em digressão, a coisa vai até o final, com a sombra da subjetividade pairando sobre tudo. A subjetividade em María (ou nas pessoas, de um modo geral) é causada pelos “enamoramentos” (ou oscilações em seus estados de espírito); o enamoramento é algo assim que está além do amor - um sentimento que, como tal, não nos cabe explicar, apenas sentir. Palavras de María, ou de Marías, o autor.
Se fosse para resumir bem resumido a obra, espremê-la, poderia se dizer que num dia tal (o do aniversário da vítima) numa rua de Madri ocorre um assassinato em circunstâncias um tanto estranhas. Há duas versões para a morte de Miguel: a que María ouviu parcialmente e completou com o que leu nos jornais mais suas inúmeras digressões, e a versão de Javier (amigo íntimo do morto), por quem ela parece ou quer enamorar-se, pelo menos a princípio, mas que depois já não lhe parece ser alguém totalmente confiável.
Quem está contando a verdade: María ou Javier? Com qual das duas versões devemos ficar? Ou nenhuma delas seria verdadeira? Embasando isso tudo está o tema central do livro: a presença incômoda dos mortos na vida dos que permaneceram. Tema que o liga diretamente ao livro de Balzac, O Coronel Chabert, que acompanha a edição especial da Companhia das Letras, e que deve ser lido antes. Se bem que a história de Balzac, uma novela curta, está praticamente contada inteira dentro de Os Enamoramentos.
Apesar do título, Os Enamoramentos parece ser um livro que tem muito mais a dizer a nossa cabeça do que ao nosso coração. Não consegui me "enamorar" inteiramente por ele...
Lido entre 15 e 24/11/2013.