stsluciano 24/03/2014
Almanova tem uma premissa bastante interessante: há um mundo onde a reencarnação existe e a ciência descobriu uma maneira de identificar as almas, assim, quando uma criança nasce, as pessoas sabem exatamente quem reencarnou, e essa criança, por sua vez, é capaz de se lembrar dos acontecimentos de suas outras vidas, já que as experiências adquiridas em cada geração não são perdidas com a morte. Assim, em Range, onde vivem, existem médicos com nove anos de idade e conselheiros adolescentes, mas que por trás da aparência jovem da vida que estão desfrutando, estão milhares de anos de experiências acumuladas.
Com Ana é diferente. Ao nascer, ao invés de sua alma ser identificada como Ciana, a última pessoa a morrer e que ainda não reencarnara na época, os moradores de Heart, principal cidade de Range, ficam chocados ao perceber que aquela alma era nova, que nunca havia nascido, sendo alguém totalmente estranho aos outros, que mantinham milhares de anos de amizades e relações. Começam então os questionamentos: o que acontecera com Ciana, ela iria retornar?, e se mais almanovas surgissem? Ana, é então considerada uma aberração, e, acima de tudo, um risco. Seu pai, Menehen, abandona a ela e sua mãe, incapaz de lidar com aquilo tudo, e sua mãe, Li, com toda a vergonha que sente pela situação, se muda de Heart com Ana, para criá-la tão isolada quanto possível.
Conhecemos Ana quando ela completa dezoito anos e tem de sair da casa da mãe, pois agora é uma adulta. Ela é uma personagem complicada de se relacionar, a princípio e conforme vai descobrindo novas coisas, já que a sociedade na qual vive tem uma centena de nuances que fogem do que consideramos normal. Para início de conversa, sua mãe não a educara tão bem quanto se imaginaria: ressentida, envergonhada e orgulhosa (mas que combinação, hein!), maltratava a filha, a quem chamava de sem alma, e incutira nela um sentimento extremamente forte de inferioridade. Ana não acredita que deva ter opinião própria, que possa ter gostos particulares, ou que tenha direito a ser ouvida. Com uma criação sub-humana, aprendera a ler sozinha, e guardara para si milhares de questões sobre quem era e qual o significado de seu nascimento.
Em sua busca por suas origens, rumo a Heart, é atacada por seres sobrenaturais, é enganada pela mãe, e é resgatada por Sam.
É em sua relação com Sam que se destaca a fragilidade de sua personalidade. Ela não sabe o que fazer, já que, como a mãe a tratava como uma sem alma, ela achava que não tinha direito a ter sentimentos, preferências, desejos. Quando alguém se arrisca para salvá-la, lhe estende a mão e lhe oferece ajuda, ela fica sem reação, pois é tudo relativamente novo para ela.
E tenho que destacar que, literalmente, É TUDO NOVO PARA ELA! Ao contrário das outras pessoas, Ana não tivera uma vida anterior – no caso de algumas delas, centenas de vidas anteriores – então não sabe nada sobre coisa alguma além daquilo que sua mãe achava apropriado que aprendesse ou que, instintivamente, ela fora absorvendo pelo caminho. Mas o principal, pois vai de encontro com aquilo que busca, não conhece a história de seu povo, da criação de Heart, com seu gigantesco templo central cujas paredes pulsam como um coração humano, e, quem sabe poderia lhe dizer que ela era, afinal.
Sam é um personagem moldado para agradar ao leitor: amigo fiel, confiável mesmo enquanto sujeito misterioso, é sempre terno o modo como ele age para com Ana, e são nesses momentos que a maneira de ser dela causam irritação: ela é suscetível, e, quando numa frase está tudo bem entre eles, na outra ela diz algo fora do lugar que faz tudo desandar e de quebra com que se pareça uma criança mimada. Isso acontece algumas vezes durante a narrativa, o que faz com que ela flua com alguns trancos – aqui está tudo bem, péra, não, não está, mas ó, agora sim! – e por aí vai, mas isso não é uma fraqueza da autora na condução do texto, mas sim uma característica da personagem que eu espero seja trabalhada no futuro.
O livro tem uma mitologia interessante, com dragões e outros seres, mistérios o suficiente e uma reviravolta bem-vinda que agita bastante as coisas lá pelo final da primeira metade. Pessoalmente, gostaria que a autora apostasse menos nas conjecturas e monólogos de Ana, que funcionam bem para nos fazer entender o que ela pensa sobre o assunto, mas que não faz muito bem a leitores mais dispersos como eu, e focasse, com força, na ação e exploração: Range é uma terra muito interessante, fria, perigosa, vasta, e gostaria muito de conhecê-la com a ajuda da narrativa em primeira pessoa que é bastante competente,
Ao final, temos um bom gancho de ligação com o próximo volume, Almanegra, e mais perguntas a se fazer. Como primeiro livro de uma trilogia, Almanova faz bonito, vou torcer que o seguinte tenha as melhorias que espero.
site: http://www.pontolivro.com/2014/01/almanova-trilogia-incarnate-livro-01-de.html