PorEssasPáginas 24/06/2013
Resenha Em Busca de um Feliz - Por Essas Páginas
Resenha original no blog Por Essas Páginas: http://poressaspaginas.com/resenha-em-busca-de-um-final-feliz
Quando decidi ler Em Busca de um Final Feliz, eu esperava um livro de não-ficção padrão, talvez na forma de relato jornalístico. Porém, o que encontrei foi um livro sensível, em que acompanhamos a vida de pessoas reais, seus pensamentos e aspirações, tudo isso tão bem descrito que a sensação é que estamos acompanhando um romance e seus personagens. Porém, em nenhum momento, devemos esquecer que essas pessoas – inclusive com seus nomes verdadeiros – são de carne e osso; elas realmente passaram – e passam – pelos tormentos de uma Índia miserável e corrupta que, muitas vezes, rouba-lhes as esperanças.
Devo dizer que encontrar um livro de não-ficção escrito dessa forma essa foi uma grata surpresa e tornou a leitura muito mais interessante.
Em outras resenhas eu já disse que acredito que alguns livros caem em nossas mãos para serem lidos na horas certas. Tive essa mesma sensação enquanto lia Em Busca de um Final Feliz. Esse livro mostra, de maneira sensível, porém objetiva, a realidade de uma das muitas favelas de Mumbai. A Índia é um país em franco desenvolvimento, que vende uma imagem maquiada de um país muito melhor do que é na verdade. O seu governo trata as favelas e seus habitantes miseráveis como um câncer em meio a um lugar maravilhoso, quando na realidade são eles que minam as oportunidades dessas pessoas. Para quem está bem, ou seja, tem uma casa decente para morar, está bem alimentado e tem realmente oportunidades, é muito fácil culpar essas pessoas pela sua própria má sorte. Porém, é muito diferente quando você está na pele dessa gente, sem chances de melhorar ou, ainda, com suas poucas chances sendo abatidas pelo sistema.
Sunil raramente ficava com raiva quando descobria as razões secretas por trás do comportamento das pessoas. Perceber como o mundo funcionava, além das mentiras, era para ele uma armadura.
É impossível não fazer uma conexão, em maior ou menos grau, dessa Índia maquiada com o nosso Brasil, principalmente no momento histórico em que vivemos. O quanto de gente, nesse exato minuto, pode estar sofrendo as privações semelhantes às das pessoas descritas nesse livro de Katherine Boo? Nós também temos favelas, falta de oportunidades, comunidades carentes e pessoas – não personagens, mas sim pessoas, vivas e reais – que passam fome, miséria, desesperança. É fácil e até natural identificar, nos “personagens” de Boo, pessoas que conhecemos ou que, um dia, deparamo-nos na televisão, nos jornais ou até mesmo nas esquinas.
Mas, em seu estado de espírito atual, pequenas afrontas adicionadas a grandes decepções tornariam-se uma provação.
Mas mesmo que não pensemos nessas pessoas – o que é impossível – com certeza qualquer leitor vai se identificar com um ou outro personagem de Annawadi e, apesar de seus defeitos – pois sim, o relato de Katherine Boo é incrivelmente fiel -, você também vai se pegar entendendo porque aquelas pessoas algumas vezes cometem erros. É pela sobrevivência, é para pura e simplesmente sobreviver em meio a um sistema cruel que não facilita para ninguém. De fato, você vai se pegar se apaixonando por essas pessoas, torcendo e chorando por elas. É de partir o coração acompanhar Abdul, um rapaz verdadeiramente honesto, ter aos poucos suas esperanças transformadas em menos que o lixo em que trabalha. É triste ver Sunil se corromper, Manju desistir de seus sonhos, Meena sucumbir perante a vida que lhe foi imposta. Nós acompanhamos Asha e certamente não concordamos com o que ela faz, mas entendemos. De fato, a única que eu não consegui sentir compaixão foi Fátima, a Perna Só, mas isso foi porque suas atitudes foram além de cruéis e mesquinhas; porém, sim, até ela é possível compreender. Eu poderia citar vários personagens aqui e o que senti ao acompanhá-los, mas acho que a melhor coisa que faço é insistir para leiam e vocês mesmos os conheçam, façam parte da sua vida, por meio desse livro.
Porém, os favelados raramente ficavam com raiva juntos, nem mesmo das autoridades aeroportuárias. (…) Ao contrário, indivíduos sem força culpavam outros indivíduos sem força por aquilo que não tinham. Às vezes, tentavam destruir uns aos outros. Algumas vezes, (…) destruíam a si mesmos no processo.
A frase acima é talvez a minha preferida no livro. Ela é extremamente verdadeira e nos faz refletir em inúmeros graus. Conversando com o meu pai sobre o livro – e meu pai já viveu essa realidade quando jovem -, ele confessou que sentia que vivendo no morro jamais conseguiria ser alguém. Havia essa energia negativa, essa raiva dos outros que impedia a ele e sua família de prosperarem, por mais que trabalhassem duro e se esforçassem. Ele me disse que as pessoas frequentemente culpam as pessoas erradas, geralmente outros tão fracos e sem oportunidades quanto eles, apenas porque essas pessoas tem alguma perspectiva melhor – ou porque você acha isso. É mais fácil culpar quem está mais próximo e é tão frágil quanto você. Culpar gente poderosa é difícil. E é assim, dessa maneira, com essa desunião, que essas pessoas não conseguem se ajudar, fazer algo por si e pelos demais. Como pode existir tanta gente pobre no mundo e essa gente não conseguir algo com tamanha vantagem numérica? A resposta é a desunião. E aí eu volto à reflexão sobre o momento que vivemos aqui no Brasil: somente unidos conseguiremos fazer algo de bom, não apenas para um, mas para todos. O que os grandes lá em cima, os poderosos e os governos querem é exatamente a falta de união de seu povo. Um povo que não é unido é pouco representativo; um apenas jamais conseguirá lutar sozinho.
Nesse livro, com pesar, descobrimos o quanto a sociedade pouco se importa com o ser humano. O livro s encerra com uma enorme ironia que, infelizmente, acontece diariamente. As pessoas, principalmente os pobres, os carentes, as minorias, são vistas pela sociedade e pelos governos como um mero estorvo, uma mancha impura e incômoda em um mar de perfeição. O ser humano é desvalorizado. E aí a gente percebe o quanto esse mundo ainda tem que melhorar. E, para que ele melhore, só há um lugar para começarmos: nós mesmos.