spoiler visualizarCamila1354 21/03/2023
Tinha tudo para ser perfeito, mas....
O desafio em se ler (e apreciar) romances de época é se deparar com alguns aspectos da narrativa que não se encaixam mais com o nosso mundo atual e saber diferenciar o que faz parte da construção dos personagens e o que projeta demais as opiniões do autor; dentro desse problema, no entanto, encontro outro: quais defeitos dos personagens estão sendo romantizados e quais servem para ajudar a história a caminhar.
Esse livro me apresentou um grande desafio nesse quesito, pois, embora o tenha devorado e gostado de (quase) todo o percurso, em muitos momentos me vi torcendo o nariz para algumas atitudes dos personagens. Em primeiro lugar, esclareço que estou sim acostumada com leituras envolvendo situações e falas muito machistas, principalmente em se tratando de livros de época; no entanto, tive um choque com algumas coisas que encontrei nesse livro, pois, mesmo tentando representar o século XIX, ele ainda foi escrito no século XXI. Bem, sendo mais específica, o protagonista masculino desse livro, Cam Rohan, é bastante invasivo em diversos momentos, como quando força um beijo na mocinha nos primeiros 15% do livro, quando eles literalmente acabaram de se conhecer (não que forçá-la fosse justificável mesmo se eles se conhecessem há 800 anos). Além disso, não posso me esquecer da forma como ele ignora todas as vezes em que ela o recusa (seja em matrimônio, seja em relação sexual), forçando sua decisão sobre a garota e praticamente obrigando-a a mudar de ideia. Gostaria de repetir que não me importaria tanto com tais falhas de caráter se elas fossem tratadas assim, como falhas de caráter; como elas não são (apesar da mocinha se irritar com o jeito controlador e possessivo de Cam, ele sempre a silencia beijando-a e até transando com ela até ela finalmente aceitá-lo de vez), vejo como meu papel de leitora com senso crítico apontar e me questionar qual foi o intuito da autora ao criá-lo dessa forma. Era para nos indignarmos ou ela o escreveu esperando que o leitor se apaixonasse por esses desvios?
Bem, apesar desse ponto (muito) negativo, gostei da inserção do mundo romani nesse livro. Nunca havia lido algo que falasse sobre a relação do povo europeu e dos povos ciganos no século XIX e sobre o preconceito que eles vivenciavam, mas procurarei saber mais a respeito, pois acho que esse foi o ponto alto da história, me despertando total interesse. Gostei principalmente da dualidade encontrada em Cam, de como ele sabia estar preso entre dois mundo tão distintos, nunca pertencendo completamente a nenhum dos dois; isso deu uma profundidade maior para o personagem ao meu ver, me fez simpatizar muito mais com ele diante do preconceito que vivencia em vários momentos do livro (embora o tópico abordado anteriormente tenha esfriado um pouco as coisas em outros). Gostaria de mencionar, no entanto, sobre o uso da palavra "exótico" que ocorre tantas vezes e, embora tenha certeza da tentativa de usá-la como um elogio, não pude deixar de me incomodar com a carga real que ela carrega...
Falando um pouco mais de Amelia, a mocinha desse livro, gosto muito de personagens profundas e complexas. Achei sua teimosia completamente irritante em diversos momentos, assim como necessária e muito fundamentada, afinal ela é uma jovem que utiliza todos os seus esforços para manter a família inteira e os irmãos vivos e felizes. Vi muitas cicatrizes parecidas em nós duas e isso me fez amá-la um pouco mais. Sua relação com as irmãs e até mesmo o sentimento de não ser completamente apreciada pelos sacrifícios que fazia por todos me comoveu. Uma das minhas partes favoritas é definitivamente quando ela argumenta com a irmã mais nova, Poppy, que não precisa de ninguém para se apoiar e, minutos depois, se acaba de chorar nos braços de Cam, completamente arrasada e buscando consolo; como alguém que teve que se manter forte pelos outros e não pôde se dar ao luxo de chorar nos momentos de desespero, entendi completamente a necessidade de Amelia de desabar em cima de alguém que ela sabia que não iria julgá-la e que saberia como ajudá-la a se reconstruir.
Os outros personagens da história são completamente cativantes (menos o Leo) e me vi apaixonada por cada uma das irmãs Hathaway, querendo saber um pouco mais de suas excentricidades. A autora soube dar personalidades bastante distintas para cada uma delas e tornar o Leo uma pessoa completamente desprezível, algo que é muito entendível diante de seu profundo sofrimento. Tenho algumas ressalvas quanto a saída da autora de transformar sua clara depressão em algo místico, mas, em contrapartida, também gostei dessa visão mais sobrenatural das coisas por conversar tão bem com a cultura romani que ela nos apresentou.
Por fim, gostaria de dizer que, apesar dos pontos negativos citados (e que, sinceramente, não poderia deixar de citar em nome da minha paz espiritual e moral), a história é muito fluida e divertida. Sinceramente me vi soltando algumas risadas enquanto lia. Infelizmente essas cenas que me deixaram desconfortáveis estragaram um pouco a minha experiência e imersão na história e, por isso, não posso dar uma nota maior para o livro. Apesar disso, lerei mais da autora, principalmente dessa série dos Hathaway, pois diversas pontas soltas e misteriosas devem ser explicadas mais para frente.