Júlia 10/05/2024
O retrato necessário de um genocídio
Um livro pra chorar, não acreditar, se emocionar, voltar a acreditar. Um livro para ver os comportamentos injustos determinados por uma estrutura injusta. Para perder e reencontrar a fé nos seres humanos. Um livro que contempla o paradoxo: a sensibilidade e a delicadeza humana, pois somos seres que podemos guardar um ferimento ou cicatriz na alma por décadas, e a resiliência humana, a força que mantém mesmo os mais feridos em pé.
“Tive que” ler esse livro como tarefa de uma bolsa na Universidade. Com resistência, ingressei no universo do Colônia, enorme hospício que começou suas atividades no início do século XX, na cidade de Barbacena. Desde o primeiro capítulo, os horrores são retratados de forma crua, não poupam o leitor de tudo que sustenta a certeza da escritora de que se tratou de um genocídio. Convicção essa que Franco Basaglia, ícone da reforma psiquiátrica no mundo, não precisou de mais do que uma visita ao Colônia para também possuir.
É difícil suportar saber e ler o que os sobreviventes suportaram viver e contar a Daniela Arbex, autora do livro. A ojeriza social aos que não cumprem as regras, aos que não se adaptam a uma sociedade conservadora, aos negros, aos com deficiências e dificuldades, despacha a muitos no “trem dos loucos”. Quando chegam ao Colônia, se tornam propriedade do Estado brasileiro e do seu projeto de extermínio. Aliás, as fotos que compõem o livro não deixam que as palavras sejam exageros. São o retrato do abandono, de pessoas fragilizadas relegadas às moscas e à sujeira.
Depois de conhecermos a esses personagens principais, esses que tiveram suas histórias e condições de vida no hospício apagadas, podemos nos conectar com histórias mais leves. Alguns capítulos depois da metade do livro contam a história do fotógrafo que, em 1961, registrou o que lá acontecia, e as visitas de Foucault e Basaglia ao Brasil. Retratam as causas e condições para que a exposição do horror rompesse com a indiferença, e o cenário da saúde mental em Minas Gerais e no país começasse a mudar.
Termina nos falando que o Colônia não é passado. Continua necessário o cuidado para que a lógica do manicômio, que fragiliza ainda mais e apaga histórias e sonhos de pessoas em sofrimento mental, seja percebida e superada.